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Bases de genética clínica para o neurologista

Atualizado: 10 de mar. de 2024

A demanda por exames genéticos e diagnóstico moleculares está em franca ascenção na prática clínica neurológica. Por esse motivo, é necessário que o clínico tenha o domínio completo do manejo diagnóstico das doenças hereditárias e conheça os exames e técnicas disponíveis para este fim.


Padrões de herança nas doenças genéticas


Padrões de herança descrevem como uma característica é expressa em membros de uma família, determinados pelos fenótipos e genótipos individuais e familiares. Em termos amplos, os padrões de herança são classificados como monogênicos (um gene) ou poligênicos (múltiplos genes). A herança monogênica pode ser subdividida em Mendeliana e não-Mendeliana. Na herança Mendeliana, há uma correlação estreita entre genótipo e fenótipo, o que é clinicamente útil para a previsão de riscos de doenças. Já os padrões não-Mendelianos ocorrem devido a diversos fatores, como penetrância incompleta e mosaicismos, que afetam a relação genótipo-fenótipo.


Dado que as células somáticas possuem duas cópias de cada gene autossômico, existem alelos emparelhados para cada gene ou local no genoma. Em muitos distúrbios recessivos, ser heterozigoto (ter uma variante patogênica em apenas um alelo) geralmente resulta em um estado portador benigno com pouca ou nenhuma manifestação da doença. Por outro lado, ser homozigoto, ou seja, possuir a mesma variante patogênica em ambos os alelos, ou heterozigoto composto, isto é, possuir variantes patogênicas diferentes em cada alelo, é o bastante para desencadear o fenótipo, que pode ser o surgimento ou o risco elevado de uma doença. Na herança autossômica dominante, a haploinsuficiência (uma variante patogênica em um dos alelos) pode ser suficiente para manifestar o fenótipo.





Variantes genômicas


O genoma humano é notavelmente variável, e avanços como a conclusão do Projeto Genoma Humano expandiram significativamente o catálogo de variações genéticas relacionadas à susceptibilidade a doenças e respostas a tratamentos. Essas variações podem ser categorizadas em termos de escala e permanência (genéticas ou epigenéticas), ocorrer em células germinativas ou somáticas, e sua terminologia clínica varia desde variantes patogênicas até variantes de significado incerto, auxiliando na tomada de decisões clínicas. Abaixo descrevemos as principais variantes que podem ser encontradas como resultados em exames genéticos:


  • Substituições de Nucleotídeos Únicos: Essas são mudanças onde um nucleotídeo é substituído por outro e formam a maior parte da variação do DNA humano. Eles ocorrem principalmente devido a erros na replicação do DNA ou a alterações químicas específicas.

  • Variantes de Sentido Errado (Missense): Essas substituições resultam em uma mudança de um único aminoácido em uma proteína, e o efeito na função da proteína pode variar dependendo da importância do aminoácido específico.

  • Variantes Sem Sentido (Nonsense): São substituições de nucleotídeos que introduzem um códon de parada prematuro, frequentemente resultando em uma proteína truncada e potencialmente não funcional.

  • Variantes de Sítio de Splicing (Splice Site): São mudanças de nucleotídeo único que alteram as regiões onde o DNA transcrito é clivado, possivelmente afetando a função da proteína.

  • Polimorfismos de Inserção/Deleção (Indel): Os Indels envolvem a adição ou deleção de nucleotídeos, o que pode resultar em deslocamentos de quadro de leitura e ter um impacto significativo na função da proteína.

  • Variantes de Deslocamento de Quadro (Frameshift): São Indels que mudam o quadro de leitura do mRNA, frequentemente introduzindo um códon de parada prematuro e interrompendo severamente a função da proteína.

  • Indels Em Quadro (In-frame): Esses Indels preservam o quadro de leitura, mas ainda podem ter consequências patogênicas, como em certas variantes responsáveis pela fibrose cística.

  • Repetições Curtas em Tandem (STRs): São pequenas sequências repetitivas que podem ser propensas a erros durante a replicação do DNA, e sua expansão pode estar ligada a várias doenças como síndrome do X frágil e doença de Huntington.

Cada tipo de variante genética tem implicações únicas para a função do gene, o risco de doença e os padrões de herança.


A terminologia para a variação do DNA está em constante evolução, com o termo "variante" agora sendo preferido em vez de "polimorfismos de nucleotídeo único" (SNPs) ou "mutações", frequentemente acompanhado de um qualificador sobre sua patogenicidade. Variações estruturais no DNA, como variações no número de cópias de genes (copy number variations, CNVs), podem ser benignas ou afetar processos como o metabolismo de medicamentos. Essas variações estruturais também podem ser hereditárias, levando a síndromes congênitas, ou adquiridas, como é comum em cânceres, em celulas somáticas.





Métodos de detecção de variantes genéticas


Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) — A PCR automatizada é geralmente o primeiro passo na maioria das análises de DNA, pois amplifica a quantidade de DNA disponível para estudo. Apesar de ser uma ferramenta diagnóstica crucial, essa técnica é mais abrangente e pode identificar múltiplas mutações em um fragmento amplificado. A análise de repetições curtas em tandem (STRs) via PCR e eletroforese capilar é um método robusto utilizado primariamente em genética forense e pesquisa biomédica. O processo começa com a amplificação de regiões de DNA específicas contendo STRs por meio de PCR, seguida pela separação e quantificação dos fragmentos amplificados utilizando eletroforese capilar de alta resolução. Esta técnica permite a detecção precisa e quantificação de fragmentos de DNA, resultando em perfis de STR que são cruciais para a identificação individual e análises genéticas. A análise de repetições curtas em tandem (STRs) via PCR e eletroforese capilar também apresenta relevância em contextos clínicos, especialmente em doenças neurológicas. Um exemplo notável é o diagnóstico de distúrbios neurodegenerativos tipo PoliQ, como a doença de Huntington e as ataxias espinocerebelares, onde a expansão de repetições de trinucleotídeos é um marcador genético.


Digestão por Enzima de Restrição — Este método utiliza enzimas específicas para detectar mutações que criam ou destroem um local de enzima de restrição no DNA. No entanto, a técnica é limitada pela impraticabilidade de identificar uma ampla variedade de mutações e pelo risco de resultados errôneos devido a digestão incompleta.


Hibridização Genômica Comparativa (CGH) — Esta técnica permite a comparação do conteúdo genômico entre duas amostras de DNA, geralmente uma amostra de teste e uma de referência. Através do uso de microarrays, CGH identifica variações no número de cópias de regiões genômicas específicas. É particularmente útil para detecção de anormalidades cromossômicas em alta resolução.


Amplificação de Sonda Dependente de Ligação Múltipla (MLPA) — MLPA é uma técnica de genotipagem que permite a amplificação seletiva de múltiplos fragmentos de DNA em uma única reação. Utilizando sondas específicas que se ligam a regiões genômicas de interesse, essa técnica é especialmente eficaz para detectar deleções ou duplicações em segmentos específicos de DNA.


Hibridização In Situ por Fluorescência (FISH) — Este método envolve o uso de sondas de DNA marcadas com fluoróforos para se ligarem especificamente a regiões-alvo no genoma. A hibridização é visualizada sob um microscópio de fluorescência, permitindo a localização espacial de sequências de DNA ou RNA em células e tecidos. FISH é frequentemente utilizado em diagnósticos oncológicos e na identificação de alterações cromossômicas.


Já na área dos métodos de sequenciamento gênico, é importance citar estas técnicas:


Sequenciamento Sanger — Considerado a "primeira" geração de métodos de sequenciamento de DNA, o sequenciamento Sanger é eficaz para sequenciar fragmentos de DNA de até aproximadamente 500 a 900 bases. Embora seja preciso e clinicamente valioso para genes específicos, como no diagnóstico de hemofilia B, sua aplicação é limitada em termos de custo e tempo quando se trata de sequenciar grandes porções do genoma.


Sequenciamento de Próxima Geração (Next Generation Sequencing, NGS) — Esta tecnologia, também conhecida como sequenciamento de segunda geração, permite o sequenciamento paralelo de múltiplos fragmentos de DNA, gerando dados exponencialmente maiores a custos significativamente reduzidos. O NGS é mais versátil para cenários clínicos que requerem o sequenciamento de múltiplos genes e envolve etapas como preparação da biblioteca de DNA e alinhamento computacional com um genoma de referência, ou seja, há necessidade de técnicas de bioinformática e consulta a grandes bancos de dados genômicos para interpretação adequada.


Apresenta algumas limitações, apesar de suas inúmeras vantagens. Primeiramente, a precisão detecção de certos tipos de mutações pode ser inferior a outros métodos. Por exemplo, a detecção de alterações no número de cópias cromossômicas e/ou grandes ganhos, perdas ou translocações é problemática devido aos curtos comprimentos de leitura de sequência de DNA no NGS. Isso pode resultar em falha ao detectar deleções ou inserções cromossômicas.

Em cenários onde são suspeitas grandes aberrações cromossômicas, plataformas alternativas como hibridização genômica comparativa (CGH), amplificação de sonda dependente de ligação múltipla (MLPA), hibridização in situ por fluorescência (FISH) ou citogenética são geralmente preferidas em detrimento do NGS. A escolha ideal entre esses métodos alternativos frequentemente depende da condição clínica específica em avaliação.


Sequenciamento de Terceira Geração — Também conhecido como sequenciamento de longa leitura, esta tecnologia usa moléculas de DNA únicas em vez de DNA amplificado como modelo, eliminando assim erros potenciais introduzidos durante o processo de amplificação. Embora ainda esteja em desenvolvimento e geralmente não esteja disponível clinicamente, essa abordagem está se aproximando da precisão da tecnologia de leitura curta usada no NGS e permite uma melhor análise das áreas mais desafiadoras do genoma.


Vou solicitar um sequenciamento de nova geração para o meu paciente. Peço um painel, exoma ou genoma completo?


A escolha entre o sequenciamento do genoma completo, o sequenciamento do exoma e os painéis de genes segmentados depende de vários fatores, incluindo a condição suspeita, restrições financeiras e a necessidade de profundidade de cobertura. Em distúrbios neurológicos, onde o espectro fenotípico é vasto e variantes patogênicas podem residir tanto em regiões codificantes quanto não codificantes, o sequenciamento do genoma completo poderia fornecer uma visão abrangente. No entanto, ele vem com um custo mais elevado e pode produzir dados desafiadores de interpretar clinicamente.


O sequenciamento do exoma é frequentemente considerado um exme com custo-benefício razoável, cobrindo a maioria das mutações causadoras de doenças conhecidas localizadas em regiões codificantes. É particularmente útil quando existe uma forte hipótese que vincula os sintomas do paciente a uma alteração na codificação de proteínas. No entanto, mutações em regiões intrônicas ou regulatórias serão perdidas, o que pode exigir procedimentos investigativos adicionais se os resultados do sequenciamento do exoma forem não-diagnósticos.


Os painéis de genes segmentados por indicação clínica oferecem uma abordagem mais focada, muitas vezes a um custo menor. Esses painéis são ideais quando o quadro clínico aponta para um conjunto específico de condições, como doenças neurodegenerativas, onde mutações em um conjunto limitado de genes são conhecidas por serem causadoras. Os painéis também podem oferecer maior profundidade de cobertura, aumentando assim a precisão das variantes identificadas. No entanto, eles são inerentemente limitados em escopo, o que poderia resultar em diagnósticos perdidos se a mutação causadora estiver fora dos genes segmentados. À medida que o campo evolui, os painéis em expansão e os custos decrescentes tornam esta opção cada vez mais atraente para indicações neurológicas específicas.


Portanto, como clínico, sua escolha deve ser informada pela questão clínica que você busca responder, pelo orçamento disponível e pela aceitabilidade da necessidade de testes adicionais após os primeiros resultados.


Interpretação dos resultados de relatórios de exames genéticos


Os relatório de exames de sequenciamento em geral contém informações complexas, que precisam ser interpretadas pelo clínico. Entre elas vemos com frequência:


Patogenicidade: é crucial para entender sua relação com doenças. A classificação de variantes genéticas quanto à sua significância clínica é rigorosamente guiada pelas diretrizes do Colégio Americano de Genética Médica (ACMG), que utilizam 28 critérios ponderados conforme as evidências disponíveis. Essas variantes são categorizadas em cinco classes: benignas, provavelmente benignas, de significado incerto, provavelmente patogênicas e patogênicas. Enquanto variantes benignas e provavelmente benignas são aquelas com alta certeza ou probabilidade de não causar doenças, respectivamente, variantes patogênicas e provavelmente patogênicas são ligadas ao desenvolvimento ou aumento da susceptibilidade a estados patológicos, seja por perda de função proteica ou outros mecanismos moleculares.


Por outro lado, as Variantes de Significado Incerto (VUS) representam um desafio clínico, pois não há dados suficientes para uma classificação definitiva como benignas ou patogênicas. Estas são eventualmente omitidas dos laudos clínicos devido à falta de informações conclusivas. Dada a descoberta constante de novas variantes e as limitações técnicas para estudá-las, a reanálise e reclassificação periódicas baseadas em novos dados científicos são essenciais para atualizar o entendimento clínico dessas variantes.


Padrão de herança: informa o risco de outros membros da família herdarem a variante e, por extensão, a doença. Em condições autossômicas dominantes, uma única variante patogênica herdada de um dos pais é suficiente para causar a doença. Em condições autossômicas recessivas, variantes patogênicas de ambos os pais geralmente são necessárias.


A nomenclatura da variante de sequência geralmente detalhará quais alelos do gene são afetados, a localização e o tipo de alteração no DNA, e as consequências para a sequência da proteína.


A penetrância refere-se à probabilidade de que uma variante patogênica efetivamente cause a doença. Mesmo variantes definitivamente patogênicas podem não resultar em manifestações clínicas, e estimativas de penetrância podem ser fornecidas para esclarecer essas probabilidades.


Finalmente, informações específicas da doença geralmente são fornecidas, abordando o mecanismo da doença, condições sob as quais a doença pode se manifestar, sintomas típicos e outras informações pertinentes, muitas vezes com referências da literatura científica para embasar as declarações.








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