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Ataxia de Friedreich

FXN - Ataxia de Friedreich (Autossômica Recessiva)


Resumo


A Ataxia de Friedreich é uma patologia neuromuscular de herança autossômica recessiva que se manifesta predominantemente na infância ou adolescência, embora casos atípicos possam ter início tardio. Caracteriza-se por uma série de sintomas neurológicos, como ataxia progressiva, disartria e perda sensorial, além de apresentar comorbidades como cardiomiopatia hipertrófica e diabetes mellitus. A progressão do quadro clínico frequentemente leva à incapacidade para marcha autônoma em um período de 10 a 20 anos após o início dos sintomas. A prevalência estimada na França é de 1 em 50.000, sem predileção por gênero.


O diagnóstico é confirmado através de testes genéticos que identificam a expansão de trinucleotídeos GAA no intron 1 do gene FXN, que codifica para a proteína frataxina. A deficiência desta proteína interfere na função mitocondrial e no metabolismo energético celular. Quatro classes de alelos são reconhecidas para a sequência de repetição GAA, com alelos de penetrância completa variando de 66 a aproximadamente 1.300 repetições GAA.


Terapias emergentes tem surgido com o intuito de restaurar as funções mitocondriais comprometidas pela deficiência de frataxina. Por exemplo, o medicamento omaveloxolone foi avaliado em um estudo randomizado, controlado por placebo e duplo-cego de 48 semanas para tratar a Ataxia de Friedreich, mostrando eficácia na melhora dos escores mFARS, que mede a progressão em diversas dimensões. O estudo envolveu 103 pacientes com uma média de idade de 24 anos, dos quais 51 receberam omaveloxolone 150 mg e 52 receberam placebo.


O manejo clínico da doença é predominantemente sintomático e paliativo, centrado na reabilitação funcional e no tratamento das comorbidades, tais como complicações cardiológicas e diabetes mellitus. O prognóstico é geralmente desfavorável, e os pacientes tendem a óbito devido a complicações cardíacas na quarta ou quinta décadas de vida. Desse modo, é imperativo que o diagnóstico seja precoce e que o manejo clínico seja multidisciplinar, visando amenizar a progressão dos sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.



Introdução


A ataxia de Friedreich é a forma hereditária mais prevalente de ataxia, respondendo por aproximadamente 50% de todos os casos. Primeiramente descrita em 1863 por Nikolaus Friedreich, esta doença neurodegenerativa apresenta um padrão autossômico recessivo de herança e se manifesta usualmente na infância com uma complexa sintomatologia, incluindo dificuldade de locomoção, fraqueza muscular, perda sensorial e da propriocepção, bem como comprometimento da fala. Com a progressão da doença, muitos pacientes necessitam de auxílios à mobilidade e desenvolvem comorbidades como diabetes mellitus e escoliose, além de perda visual e auditiva. A causa mais comum de óbito nestes pacientes é a cardiomiopatia hipertrófica. A patogênese envolve expansões anormais de trinucleotídeos no gene FXN no cromossomo 9, o que resulta em silenciamento gênico e redução da proteína frataxina. Esta proteína é crucial para a produção mitocondrial de ATP e o gerenciamento do ferro celular, e sua deficiência impacta severamente células metabolicamente ativas como neurônios, cardiomiócitos e células beta pancreáticas.


Genética


A maioria dos casos de Ataxia de Friedreich é causada por mutações de perda de função no gene da frataxina (FXN), localizado no cromossomo 9q13. A grande maioria dos pacientes possui uma expansão do trinucleotídeo guanina-adenina-adenina (GAA) no íntron 1 de ambos os alelos do gene FXN. Essa expansão resulta em uma redução da transcrição do gene e, consequentemente, em uma expressão diminuída da frataxina. O número de repetições GAA pode variar, e a quantidade de repetições tem correlação com a gravidade dos sintomas e a precocidade do início da doença.


As manifestações clínicas da Ataxia de Friedreich são variáveis e, em parte, dependem do número de expansões GAA. Expansões maiores, especialmente no alelo menor, correlacionam-se com início precoce da doença, perda mais rápida da habilidade de andar, maior frequência de cardiomiopatia e perda de reflexos nos membros superiores. Menos de 5% dos pacientes são heterozigotos compostos, apresentando variabilidade fenotípica e manifestações atípicas. A heterogeneidade genética da doença é rara, tendo sido descrita em apenas algumas famílias.


Achados histológicos


Desde a publicação original em 1863, diversas descobertas histopatológicas na Ataxia de Friedreich foram confirmadas e descritas. Entre as principais alterações estão a perda de fibras mielinizadas nas colunas dorsais e nos tratos corticoespinhais da medula espinhal, gliose fibrilar compacta sem células inflamatórias nestas mesmas regiões, e degeneração e morte de fibras nas colunas dorsais e tratos corticoespinhais. Observa-se também um encolhimento dessas estruturas com proliferação de células capsulares, além da ausência de grandes fibras mielinizadas nas raízes posteriores e uma diminuição de axônios mielinizados nos nervos periféricos.


A destruição neuronal com atrofia do gânglio da raiz dorsal e hipoplasia desse gânglio também são características marcantes. Degeneração e perda de células da coluna de Clarke na medula espinhal torácica, atrofia progressiva de grandes neurônios do núcleo denteado e perda irregular de células de Purkinje no vermis cerebelar superior são outras alterações significativas. Há ainda perda neuronal nos núcleos olivares inferiores, pontinos e medulares, bem como nos tratos ópticos, e a ausência de células de Betz no córtex motor.


Quadro clínico e exame neurológico


A apresentação clínica geralmente inicia-se na adolescência, manifestando-se primordialmente como uma ataxia de marcha simétrica. O desenvolvimento da ataxia é insidioso e frequentemente começa com dificuldade em ficar de pé e correr. Com a progressão da doença, a ataxia ascende para afetar o tronco e os membros superiores, culminando em tremores de ação e intenção, além de movimentos coreiformes. Sintomas constitucionais como fadigabilidade, fraqueza e sonolência diurna são comuns, bem como disartria e disfagia devido ao envolvimento cerebelar. Deficiências visuais e disfunções cognitivas, provavelmente resultantes da interrupção dos circuitos cerebrocerebelares, também são observadas.


A avaliação musculoesquelética revela atrofia muscular, perda do tônus muscular e deformidades nos pés, como arco plantar elevado e inversão do pé. No exame neurológico, são notáveis a hiporreflexia ou arreflexia, respostas plantares extensoras, espasmos flexores e neuropatia sensorial, incluindo perda da discriminação de dois pontos e da sensação de posição e vibração. Anormalidades na condução visual e auditiva, vertigem e disfunções psicológicas, como instabilidade emocional e déficits executivos leves, também são evidenciadas. No âmbito cardiovascular, observam-se sinais como cianose periférica, cardiomegalia, taquicardia e fibrilação atrial, além de sopros sistólicos de ejeção e bulhas cardíacas adicionais.





Manejo com novos fármacos


Omaveloxolone, aprovado pela FDA (Food and Drug Administration dos Estados Unidos) em fevereiro de 2023 para pacientes com 16 anos ou mais, representa a primeira terapia específica para ataxia de Friedreich. O fármaco atua primariamente como um antioxidante, por meio da ativação do fator nuclear eritroide 2 relacionado ao fator 2 (Nrf2) e inibição do fator nuclear kappa B (NF-kB). Sua aprovação foi embasada nos resultados do ensaio internacional randomizado MOXIe, no qual 103 pacientes com ataxia de Friedreich receberam omaveloxolone oral de 150 mg diariamente ou placebo durante 48 semanas. Os resultados apontaram uma melhoria de 1,55 pontos na Escala de avaliação de Ataxia de Friedreich modificada (mFARS) para o grupo de omaveloxolone, em comparação com uma piora de 0,85 pontos no grupo placebo. Apesar dos benefícios modestos e potenciais efeitos colaterais, os dados sugerem um efeito modificador da doença, o que pode ser significativo no contexto de uma doença progressiva.


No que tange à segurança do fármaco, efeitos adversos mais comuns incluíram elevação nos níveis de aminotransferase (37% no grupo omaveloxolone versus 2% no placebo), cefaleia, náusea e diarreia. A elevação máxima de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST) ocorreu dentro de 12 semanas após o início do tratamento e foi geralmente assintomática e reversível. A dose recomendada de omaveloxolone é de 150 mg via oral uma vez ao dia em jejum. Para monitorização de segurança, são necessários testes de função hepática (ALT, AST, bilirrubina), peptídeo natriurético cerebral (BNP) e perfil lipídico. Dada a natureza progressiva da ataxia de Friedreich e os resultados promissores, mas ainda incipientes, estudos adicionais são necessários para avaliar o impacto a longo prazo do omaveloxolone em termos de função e qualidade de vida dos pacientes, bem como para examinar seus efeitos em pacientes mais jovens com a doença.




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