"Quatro homens, com idade entre 67 e 72 anos, tinham histórico, com duração de 4 meses a 6 anos, de lesionar a si mesmo ou suas esposas com comportamentos agressivos durante o sono, frequentemente enquanto encenavam os seus sonhos"
Schenck CH et al. Sleep 1986; 9: 293-308.
Descrito pela primeira vez pelo psiquiatra Carlos Schenck na década de 80, o transtorno comportamental do sono REM (TCSREM) afeta cerca de 0,4 a 0,5% da população geral, sendo mais frequente em indivíduos idosos (2-6% da população idosa).
Um dos principais problemas relacionado a essa parassônia é o risco de lesões nos pacientes e nos parceiros, o que motiva a necessidade de intervenção médica.
Outro problema que aumenta a relevância clínica do TCSREM é que ele foi reconhecido como o mais importante fator preditor da ocorrência de sinucleinopatias, doenças neurogenerativas caracterizadas pelo acúmulo de alfa-sinucleína no cérebro, em neurônios ou células da glia. Esse dado também abriu uma nova oportunidade: a possibilidade de identificar doençcas neurodegenerativas, como a doença de Parkinson, a atrofia de múltiplos sistemas, ou a demência por corpos de Lewy, ainda na sua fase prodrômica, ou seja, antes dos sintomas motores ou cognitivos que as caracterizam aflorarem.
Sintomas clínicos
O gerador principal da movimentação e encenação dos sonhos é a perda da atonia durante o sono REM. Isso leva tanto a movimentos simples quanto complexos, que podem ou não ser violentos.
Critérios Diagnósticos para Transtorno do Comportamento do Sono REM. Classificação Internacional dos Transtornos do Sono, 3ª Revisão (AASM, 2014)
A. Episódios repetidos de vocalizações relacionadas ao sono e / ou comportamentos motores complexos.
B. Esses comportamentos são documentados pela polissonografia e ocorrem durante o sono REM ou, com base na história clínica de encenação dos sonhos, presume-se que ocorram durante o sono REM.
C. O registro polissonográfico demonstra sono REM sem atonia.
D. Os sintomas não são melhor explicados por outro distúrbio do sono, distúrbio mental, medicação ou uso de substâncias.
Fisiologia da paralisia do sono REM
O controle do sono REM, e da paralisia associada, parece ter relação importante com o núcleo subcoeruleus, localizado no tegmento da ponte. É um núcleo composto essencialmetne de neurônios glutamatérgicos. Ele fornece um drive ou output estimulatório para o bulbo ventromedial, ativando neurônio GABAérgicos e glicinérgicos desta região. Concomitantemente, lança uma projeção para os interneurônios inibitórios espinhais, que, por sua vez, provocam uma hiperpolarização nos mononeurônios espinhais. Os motoneurônios espinhais hiperpolarizados são o correlato neurofisiológico da atonia do sono REM.
Relação com a doença de Parkinson
Sabe-se, de acordo com a teoria de Braak et al, que a neuropatologia da doença de Parkinson, no estágio prodrômico, envolve exatamente, nos estágios I e II, corpos de Lewy nos núcleos do bulbo e tegmento pontino. Isso explicaria a ocorrência do TCSREM como um fenômeno que antecede a ocorrência dos sinais motores.
Ainda segundo esta teoria, o acometimento progressivo do sistema nervoso central segue um padrão topográfico caudo-cranial, sendo que os sinais motores só acontecem depos do envolvimento da substância negra, localizada no mesencéfalo, no estágio III de Braak.
Sabe-se de 80 a 90% dos pacientes com TCSREM idiopático desenvolvem uma sinucleinopatia, em até 10 anos de acompanhamento.
Etiologias secundárias do TCSREM
O TCSREM pode ocorrer em outras doenças que cursem com lesões no circuito que provoca a atonia do sono REM. São exemplos: narcolepsia, neoplasias do SNC, acidente vascular cerebral, abstinência alcoólica, uso de antidepressivos (especialmente mirtazapina) ou outras substâncias psicotrópicas.
Tratamento farmacológico
Para a supressão dos movimentos durante a fase REM, tem sido proposto o uso de clonazepam (0,5-2 mg/noite) ou melatonina (3-12 mg/noite).
Referências
McKenna D, Peever J. Degeneration of rapid eye movement sleep circuitry underlies rapid eye movement sleep behavior disorder. Mov Disord. 2017;32(5):636-644.
St Louis EK, Boeve AR, Boeve BF. REM Sleep Behavior Disorder in Parkinson's Disease and Other Synucleinopathies. Mov Disord. 2017;32(5):645-658.
Braak H, Ghebremedhin E, Rüb U, Bratzke H, Del Tredici K. Stages in the development of Parkinson's disease-related pathology. Cell Tissue Res. 2004;318(1):121-34.
Sateia MJ. International classification of sleep disorders-third edition: highlights and modifications. Chest. 2014;146(5):1387-1394.
Comments