A estimulação magnética transcraniana (EMT) é uma técnica neurofisiológica não invasiva que permite a modulação da atividade cortical através da aplicação de campos magnéticos focalizados. Fundamenta-se no princípio da indução eletromagnética, descrito inicialmente por Michael Faraday, onde um campo magnético variável pode induzir uma corrente elétrica em um condutor próximo. Na EMT, um campo magnético de curta duração é gerado por uma bobina colocada sobre o escalpo, induzindo correntes elétricas no córtex cerebral subjacente. Essas correntes podem depolarizar os neurônios corticais, resultando em potenciais de ação.
Do ponto de vista diagnóstico, a EMT é empregada na avaliação da função e integridade das vias corticoespinais, sendo particularmente útil na identificação de anormalidades na excitabilidade cortical. A técnica é utilizada para mensurar o limiar motor cortical, a velocidade de condução ao longo das vias corticoespinais, a integridade das conexões interhemisféricas, e para aferir a plasticidade sináptica.
Na prática clínica neurológica, a EMT é aplicada em uma variedade de contextos, incluindo, mas não limitando-se a:
Distúrbios do Movimento: Utilizada para estudar os mecanismos patofisiológicos subjacentes a distúrbios como a doença de Parkinson e a distonia, além de auxiliar na diferenciação de tipos específicos de tremores.
Esclerose Múltipla e Lesões Cerebrais Traumáticas: Empregada na avaliação da disfunção das vias corticoespinais e na monitorização da progressão da doença.
Distúrbios Psiquiátricos: Tem sido explorada como ferramenta diagnóstica e terapêutica em condições como depressão maior e transtorno obsessivo-compulsivo.
Recuperação de Acidente Vascular Cerebral (AVC): Auxilia na avaliação da recuperação funcional e na identificação de áreas corticais potencialmente responsivas a intervenções terapêuticas.
Epilepsia: A EMT pode ser usada para mapear as funções corticais antes de procedimentos cirúrgicos e para investigar a excitabilidade cortical em pacientes com epilepsia.
Princípios da EMT
A EMT pode ser usada para investigar o estado funcional do córtex cerebral, interferir na atividade cerebral criando "lesões virtuais" temporárias, e manipular o cérebro induzindo mudanças na excitabilidade e plasticidade cortical, o que pode ser útil terapeuticamente. A excitação neuronal no córtex motor primário (M1) pela EMT pode ser direta ou indireta, sendo esta última mais plausível. A estimulação adequada de M1 provoca a excitação indireta de neurônios piramidais via interneurônios locais. Esta ação gera potenciais evocados motores (PEMs) nos músculos alvo, fornecendo uma medida indireta da excitabilidade do trato piramidal. As amplitudes e latências dos PEMs refletem eventos excitatórios e inibitórios em uma rede sináptica complexa.
Plasticidade cerebral: mecanismos básicos
A plasticidade cerebral, um conceito fundamental nas neurociências, refere-se à capacidade do tecido neural de modificar sua estrutura ou funções em resposta a estímulos, e estas mudanças persistem após o período de estimulação. A plasticidade abrange mecanismos de reorganização neuronal, incluindo o recrutamento de vias funcionalmente homólogas mas anatomicamente distintas das danificadas, o reforço das conexões sinápticas existentes, a arborização dendrítica e a sinaptogênese.
Dois fenômenos principais estudados nesta área são a Potenciação de Longo Prazo (LTP) e a Depressão de Longo Prazo (LTD). LTP é um aumento duradouro, mas não necessariamente irreversível, na força sináptica, enquanto LTD é uma diminuição da atividade sináptica. Ambos são considerados modelos para os mecanismos celulares e moleculares subjacentes à aprendizagem e memória. A indução de LTP e LTD depende da ativação dos receptores N-metil D-Aspartato (NMDA) e do influxo de cálcio pós-sináptico. Diferentes formas de LTP podem ocorrer na mesma sinapse, como LTP1 (de curta duração e independente de síntese proteica), LTP2 (requer síntese proteica, mas é independente da transcrição gênica) e LTP3 (mais duradoura e dependente de tradução e transcrição). Protocolos de estimulação distintos produzem diferentes fases de LTP. A LTD também envolve múltiplos mecanismos que variam conforme a região cerebral e o ponto de desenvolvimento, e pode ser induzida por diferentes protocolos de estimulação. A natureza associativa e a restrição temporal da atividade pré e pós-sináptica são cruciais para a ocorrência de LTP e LTD, seguindo a regra de aprendizado Hebbiano assimétrico.
Medidas quantitativas por EMT
Uma série de medidas quantitativas realizadas por EMT podem ser utilizadas para avaliar a função do SNC, particularmente a integridade e a funcionalidade das vias corticoespinais e do córtex motor, incluindo o Potencial Evocado Motor (PEM), o Limiar Motor (RMT), a Inibição Cortical de Intervalo Curto (SICI) e a Facilitação Cortical de Intervalo Curto (SICF).
Potencial Evocado Motor (PEM):
O MEP é a resposta de um músculo periférico, medida por eletromiografia (EMG), induzida pela EMT do córtex motor contralateral. Devido à variabilidade substancial na propagação da excitação, é recomendado determinar um valor médio de MEP, em vez de investigar MEPs individuais.
Como dito antes, esta técnica envolve a EMT do córtex motor primário (M1) contralateral ao músculo alvo. O músculo primeiro interósseo dorsal (FDI) é comumente utilizado para o registro do PEM. A resposta é registrada como uma atividade eletromiográfica (EMG) do músculo FDI. Normalmente, são realizados quinze registros, com a intensidade de estimulação ajustada para produzir um PEM de aproximadamente 1 mV. O valor final do PEM é calculado a partir da mediana ou média desses registros.
Limiar Motor de repouso (RMT):
Esta medida é determinada como a intensidade mínima de estimulação necessária para elicitar PEMs de 50 µV em pelo menos 5 de 10 tentativas. Estes limiares refletem a atividade das membranas neuronais e a excitabilidade dos axônios corticocorticais e suas sinapses.
Período Silencioso Cortical (CSP):
Pode ser dividido em período silencioso cortical contralateral e ipsilateral. O CSP é uma supressão ou redução da atividade muscular tônica contínua, que dura até 300 ms após a EMT aplicada ao córtex motor contralateral. Os primeiros 50 ms representam mecanismos espinais de inibição, enquanto a inibição posterior é influenciada por redes corticais, principalmente mediadas por receptores GABA-B.
Inibição Cortical de Intervalo Curto (SICI):
Esta técnica utiliza pulsos pareados de EMT, onde um estímulo de condicionamento subliminar (80% do RMT) é seguido, em 2 ms, por um estímulo de teste que evoca um PEM de aproximadamente 1 mV. Um protocolo comum é realizar 15 ensaios com estímulo pareado e 15 com estímulo único, de forma aleatória. A inibição do PEM pelo pulso pareado é avaliada pela comparação das amplitudes das respostas dos estímulos pareados com a estimulação de pulso único. Reflete efeitos inibitórios mediados principalmente por receptores GABA-A.
Facilitação Cortical de Intervalo Curto (SICF):
Similar à SICI, esta técnica também utiliza pulsos pareados. No entanto, o foco é na facilitação do PEM. São realizados ensaios com diferentes intervalos (1,4 ms e 2,2 ms) entre o estímulo de teste e um estímulo subsequente na intensidade do RMT. A facilitação é avaliada pela comparação das amplitudes das respostas dos estímulos pareados com a estimulação de pulso único. Está possivelmente relacionado à geração de ondas I intracorticais envolvendo receptores GABAA.
Inibição Aferente de Latência Curta e Longa (SAI e LAI):
A EMT pode ser combinada com a estimulação elétrica de um músculo periférico ou facial para investigar a SAI e a LAI. Um intervalo inter-estímulo curto (melhores efeitos a 20 ms) leva à SAI, que representa uma junção entre componentes sensoriais e motores, resultando em efeitos inibitórios no córtex motor primário. Um intervalo mais longo (melhores efeitos a 200 ms) conduz à LAI, refletindo efeitos inibitórios no córtex motor mediados pelo córtex somatossensorial primário e áreas somatossensoriais secundárias.
Inibição Transcalosa (TCI):
A conectividade entre as áreas corticais motoras de cada hemisfério pode ser investigada usando um paradigma de pulso pareado de bobina gêmea (duas bobinas). Um estímulo condicionante é dado ao córtex motor de um hemisfério e seguido por um segundo estímulo aplicado ao outro hemisfério. A interação entre os dois estímulos geralmente é inibitória em intervalos inter-estímulo de 6–50 ms, predominantemente mediados por interneurônios GABAérgicos. Em intervalos inter-estímulo curtos de 4–6 ms, observa-se um efeito facilitatório fraco.
É importante ressaltar que a precisão e a reprodutibilidade dessas medidas dependem de fatores como a técnica de estimulação, a seleção de músculos alvo, e a padronização dos procedimentos de registro.
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