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Tiques, Síndrome de Tourette e Distúrbios Relacionados: Fundamentos, Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento


Introdução e Fundamentos Clínicos dos Transtornos de Tiques

Os transtornos de tiques representam um espectro de condições neurodesenvolvimentais caracterizadas pela presença de movimentos ou vocalizações involuntárias. A Síndrome de Tourette (ST) constitui a forma mais complexa e conhecida desses transtornos. Embora historicamente percebidos como uma curiosidade neurológica, a pesquisa contemporânea revelou que os transtornos de tiques são comuns e frequentemente associados a um conjunto de comorbidades neuropsiquiátricas que podem ser mais incapacitantes do que os próprios tiques. A compreensão desses fundamentos é essencial para o diagnóstico preciso, o manejo eficaz e a desestigmatização dos pacientes.


Definição e Fenomenologia dos Tiques


Um tique é formalmente definido como um movimento ou produção vocal de caráter involuntário, rápido, recorrente e não rítmico, de início súbito e sem propósito aparente. Embora os pacientes os descrevam como irresistíveis, os tiques podem ser suprimidos voluntariamente por períodos variáveis, muitas vezes ao custo de um esforço mental considerável e de um aumento subsequente na sua intensidade. Fatores como estresse, ansiedade e fadiga comumente exacerbam os tiques, enquanto atividades que exigem concentração focada, como tocar um instrumento musical ou praticar esportes, podem atenuá-los temporariamente. Caracteristicamente, os tiques desaparecem durante o sono.

Os tiques são classificados em duas modalidades principais - motores e fônicos - e subdivididos pela sua complexidade. Os tiques motores constituem movimentos do corpo, sendo os simples aqueles que envolvem grupos musculares circunscritos e produzem movimentos breves e isolados, como piscar os olhos, contrair o nariz, sacudir o pescoço ou encolher os ombros. Os tiques motores complexos consistem em padrões de movimento coordenados que envolvem múltiplos grupos musculares e podem parecer propositais, mas são executados fora de contexto. Exemplos incluem saltar, tocar em objetos, agachar-se, ecopraxia (imitação dos movimentos de outros) e copropraxia (realização de gestos obscenos).

Os tiques fônicos (vocais) são sons produzidos pelo movimento de ar através do nariz, boca ou garganta. Os simples são sons sem significado linguístico, como pigarrear, fungar, tossir, grunhir ou estalar a língua. Os complexos envolvem palavras, frases ou sentenças, incluindo ecolalia (repetição das palavras de outros), palilalia (repetição das próprias palavras) e coprolalia (emissão de palavras ou frases socialmente inadequadas ou obscenas). É crucial notar que a coprolalia, embora amplamente associada à ST na cultura popular, ocorre numa minoria de pacientes (cerca de 10-15%) e não é um critério necessário para o diagnóstico.

A fenomenologia dos tiques pode ser ainda mais especificada através de tiques distônicos, que são movimentos mais lentos e de torção resultando numa postura anormal temporária, e tiques tônicos, que envolvem a contração isométrica de músculos. Adicionalmente, podem ocorrer "tiques de bloqueio", que interrompem transitoriamente atividades motoras ou a fala em curso, sem perda de consciência.

Uma característica fenomenológica central para a maioria dos adolescentes e adultos com transtornos de tiques é a presença de um impulso premonitório. Este é descrito como uma sensação corporal desconfortável, como uma comichão, um formigueiro, uma tensão ou uma pressão, que precede a execução do tique. A realização do tique proporciona um alívio temporário dessa sensação. Esta experiência subjetiva é um diferenciador diagnóstico chave de outros distúrbios do movimento e constitui um alvo terapêutico fundamental nas intervenções comportamentais.


Classificação Diagnóstica


Os critérios diagnósticos para os transtornos de tiques foram padronizados na 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5), sendo esta classificação amplamente adotada internacionalmente e influenciando a Classificação Internacional de Doenças, 11ª Revisão (CID-11). O diagnóstico baseia-se principalmente no tipo de tiques (motores, fônicos ou ambos) e na sua duração.


Tabela 1: Critérios Diagnósticos para Transtornos de Tiques (DSM-5)

Transtorno

Critérios de Tiques

Duração

Início

Critérios de Exclusão

Síndrome de Tourette

Múltiplos tiques motores E pelo menos um tique vocal

Pelo menos 1 ano

Antes dos 18 anos

Os sintomas não são devidos a substâncias ou outra condição médica

Transtorno de Tique Motor ou Vocal Persistente

Tiques motores OU tiques vocais (não ambos)

Pelo menos 1 ano

Antes dos 18 anos

Os mesmos que Tourette; nunca cumpriu critérios para Tourette

Transtorno de Tique Provisório

Tiques motores E/OU tiques vocais

Menos de 1 ano

Antes dos 18 anos

Os mesmos que Tourette; nunca cumpriu critérios para Tourette ou Transtorno Persistente

A transição do DSM-IV para o DSM-5 incluiu a mudança de "Transtorno de Tique Transitório" para "Transtorno de Tique Provisório" e a remoção da exigência de que os tiques crônicos não tivessem um período livre de tiques superior a três meses consecutivos, reconhecendo a natureza flutuante da condição.


Epidemiologia e Curso Natural


Contrariamente à percepção anterior de que eram raros, os transtornos de tiques são agora reconhecidos como condições comuns. Tiques transitórios são muito comuns na infância, podendo afetar até um em cada cinco crianças em idade escolar. A prevalência da Síndrome de Tourette é estimada entre 0,6% e 1% na população pediátrica e adolescente. Estas estimativas sugerem que muitos casos, especialmente os mais leves, permanecem por diagnosticar, com os indivíduos afetados nunca procurando atenção médica.

O início dos tiques ocorre tipicamente entre os 5 e os 7 anos de idade. Existe uma marcada preponderância masculina, com uma razão homem-mulher de aproximadamente 3-4 para 1. O transtorno afeta todas as raças e grupos étnicos. O curso clínico é classicamente caracterizado por uma flutuação na frequência, intensidade e tipo de tiques ao longo do tempo, um fenômeno conhecido como "waxing and waning" (aumento e diminuição). A severidade dos tiques atinge geralmente o seu pico por volta dos 10-12 anos de idade. Para a maioria dos indivíduos, os tiques diminuem significativamente durante o final da adolescência e o início da idade adulta, e em alguns casos desaparecem completamente. No entanto, uma minoria substancial de pacientes continua a experienciar tiques persistentes e incapacitantes na vida adulta.


Comorbidades Neuropsiquiátricas


A apresentação clínica da ST raramente se limita apenas aos tiques. A evidência acumulada demonstra que o paradigma clínico dominante é o de "Tourette Plus", onde os tiques são apenas um componente de uma constelação mais ampla de desafios neuropsiquiátricos. Em contextos clínicos, a prevalência ao longo da vida de pelo menos uma condição comórbida aproxima-se dos 90%. De forma crítica, estas comorbidades frequentemente comprometem o bem-estar geral e a qualidade de vida do paciente em maior grau do que a própria severidade dos tiques. Esta realidade transforma a avaliação e o manejo da ST de um foco num distúrbio do movimento para a gestão de uma síndrome neuropsiquiátrica complexa.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) constitui a comorbidade mais comum, afetando entre 60% a 80% dos indivíduos com ST em amostras clínicas. Os sintomas de TDAH, como desatenção, impulsividade e hiperatividade, frequentemente precedem o início dos tiques em 2 a 3 anos, manifestando-se por volta dos 3 a 5 anos de idade. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) afeta mais de um terço dos indivíduos com ST. Existe forte evidência de uma etiologia genética partilhada entre a ST e certas formas de TOC, sugerindo que podem ser expressões alternativas da mesma vulnerabilidade subjacente. Taxas elevadas de transtornos de ansiedade, transtornos do humor, comportamentos disruptivos (como o transtorno de oposição e desafio), dificuldades de aprendizagem e problemas de sono também são consistentemente relatadas na população com ST.

A presença destas condições comórbidas influencia profundamente a apresentação clínica, o prognóstico e, crucialmente, o plano de tratamento. A estratégia de manejo deve, portanto, priorizar a condição que causa maior prejuízo funcional, que muitas vezes não são os tiques.


Fisiopatologia: Da Genética aos Circuitos Neurais


A fisiopatologia dos transtornos de tiques é complexa e multifatorial, envolvendo uma interação entre predisposição genética e fatores ambientais que culminam na disfunção de circuitos neurais específicos. A compreensão moderna da ST representa uma convergência de achados genéticos, neuroanatômicos e neuroquímicos, que em conjunto apontam para um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta a maturação e a função das redes cerebrais que regulam o movimento e o comportamento.


Modelos Neurobiológicos: Disfunção dos Circuitos Cortico-Estriato-Talamo-Corticais (CETC)

A teoria fisiopatológica central e mais bem estabelecida para os transtornos de tiques postula uma disfunção nos circuitos cortico-estriato-talamo-corticais (CETC). Estes circuitos são alças neurais que ligam o córtex cerebral, os gânglios da base e o tálamo, e são fundamentais para o controle motor, a formação de hábitos, o processamento de recompensas e a regulação de impulsos.

O estriado (composto pelo núcleo caudado e putâmen) é considerado o principal centro de disfunção na ST. O modelo predominante sugere que os tiques resultam de uma anormalidade excitatória focal ou de uma desinibição dentro do estriado. As vias "direta" (facilitadora do movimento) e "indireta" (inibitória do movimento) dos gânglios da base estão desequilibradas, levando a uma falha na supressão de programas motores indesejados e na seleção de ações apropriadas. Esta desinibição resulta na libertação de fragmentos de comportamento motor e vocal que se manifestam como tiques.

A visão contemporânea expandiu o modelo centrado no estriado para um "problema de rede" mais abrangente. Estudos de neuroimagem funcional e estrutural demonstram uma conectividade anormal entre os gânglios da base e outras regiões cerebrais chave. Especificamente, foi encontrada uma conectividade estrutural anormalmente aumentada entre o estriado, o tálamo e áreas corticais motoras (córtex motor primário, área motora suplementar), e esta conectividade aumentada correlaciona-se positivamente com a gravidade dos tiques. Mais recentemente, o cerebelo tem sido cada vez mais implicado na fisiopatologia, com evidências de conectividade cortico-cerebelar reduzida, sugerindo que uma rede mais ampla, envolvendo o sistema gânglios da base-cerebelo-tálamo-cortical, está disfuncional.

A fisiopatologia da ST é entendida como envolvendo uma falha nos mecanismos inibitórios e um processo de neurodesenvolvimento atípico. A evidência aponta para uma maturação retardada ou alterada das redes CETC. Esta maturação anormal das vias de substância branca pode ser a base estrutural para a disfunção da rede que leva à expressão dos tiques e sintomas comórbidos.


A Neuroquímica dos Tiques


A disfunção dos circuitos CETC está intrinsecamente ligada a desequilíbrios neuroquímicos, com o sistema dopaminérgico a desempenhar um papel central. A hipótese dopaminérgica é o pilar da neuroquímica da ST. A evidência converge para um estado de hiperdopaminergia estriatal, especificamente um excesso de libertação de dopamina fásica (dependente de picos de atividade neuronal). Esta hipótese é fortemente apoiada pela eficácia clínica dos medicamentos que bloqueiam os receptores de dopamina D2. Modelos mais refinados propõem um desequilíbrio tônico/fásico: níveis baixos de dopamina tônica (extracelular) levariam a uma regulação positiva compensatória dos receptores pós-sinápticos, tornando-os hipersensíveis a picos de libertação de dopamina fásica, o que desencadearia os tiques.

Outros sistemas de neurotransmissores também estão implicados. A disfunção da serotonina (5-HT) tem sido associada à ST, possivelmente modulando o sistema dopaminérgico e contribuindo para a alta comorbidade com o TOC. A noradrenalina também desempenha um papel, como evidenciado pela eficácia dos agonistas alfa-2 adrenérgicos (clonidina e guanfacina) no tratamento dos tiques e do TDAH comórbido.

Pesquisas mais recentes implicam outros sistemas na regulação da atividade estriatal. Interneurônios GABAérgicos e colinérgicos no estriado são cruciais para modular a libertação de dopamina e filtrar a saída motora dos gânglios da base. Um estudo recente e inovador, utilizando análise de células únicas em tecido cerebral post-mortem, revelou uma redução de cerca de 50% nos interneurônios inibitórios no estriado de indivíduos com ST, fornecendo uma forte evidência celular para a hipótese da desinibição.


Fatores Genéticos e Ambientais


A ST é um transtorno do neurodesenvolvimento com um forte componente genético, cuja expressão é modulada por fatores ambientais. A ST é altamente hereditária, com estimativas de herdabilidade entre 70% e 80%. Não é uma doença monogênica; em vez disso, é poligênica, o que significa que o risco é conferido pela combinação de muitas variantes genéticas comuns, cada uma com um pequeno efeito, em conjunto com variantes raras de maior impacto.

Embora nenhum gene único cause a maioria dos casos de ST, a investigação identificou vários genes de risco de alta confiança, como WWC1 e CELSR3, e outros genes associados, como SLITRK1, NRXN1 e CNTN6. Muitos destes genes estão envolvidos em processos cruciais do desenvolvimento cerebral, como a polaridade celular, a formação de sinapses e a orientação dos axônios, o que reforça a ideia de que a ST é um distúrbio da "cablagem" neuronal. Mutações de novo (mutações genéticas que ocorrem espontaneamente no indivíduo e não são herdadas dos pais) também contribuem significativamente para o risco de desenvolver ST.

Fatores não genéticos podem modular a expressão da vulnerabilidade genética. Fatores de risco pré-natais (como o tabagismo materno durante a gravidez e o stress materno), complicações perinatais (baixo peso ao nascer, parto com fórceps) e fatores pós-natais (stress psicossocial, infecções) foram associados a um risco aumentado de ST ou a uma maior gravidade dos sintomas.

A hipótese de que processos autoimunes pós-infecção estreptocócica poderiam desencadear ou exacerbar tiques e TOC em crianças (PANDAS - Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorders Associated with Streptococcal Infections) permanece controversa. Embora a investigação sobre a desregulação imunitária na ST continue, a hipótese PANDAS/PANS como uma causa distinta de tiques ainda não foi comprovada e não é amplamente aceite como uma entidade clínica estabelecida.


Avaliação Diagnóstica e Diagnóstico Diferencial


O diagnóstico dos transtornos de tiques é um processo inteiramente clínico, baseado numa avaliação cuidadosa da história do paciente e na observação da fenomenologia dos movimentos. Não existem biomarcadores, exames de sangue ou estudos de imagem que possam confirmar o diagnóstico. A precisão diagnóstica depende da capacidade do clínico de recolher uma história detalhada e de diferenciar os tiques de um vasto leque de outros distúrbios do movimento.


O Processo de Diagnóstico Clínico


A base do diagnóstico é uma anamnese abrangente. O clínico deve investigar o início, a progressão e a fenomenologia dos movimentos e sons, incluindo a sua variedade, frequência e complexidade. É fundamental questionar sobre a presença do impulso premonitório, a capacidade de supressão e a flutuação dos sintomas ao longo do tempo. Uma história familiar detalhada de tiques, TOC e TDAH deve ser obtida. A avaliação do impacto funcional dos tiques e das comorbidades na vida escolar, social e familiar do paciente é igualmente crucial. O exame neurológico é tipicamente normal, exceto pela observação dos tiques.

Para quantificar a gravidade dos tiques e monitorizar a resposta ao tratamento, são utilizadas escalas de avaliação padronizadas. A Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS) é o instrumento de referência tanto na prática clínica como na investigação. A YGTSS avalia separadamente o número, a frequência, a intensidade, a complexidade e a interferência dos tiques motores e vocais, fornecendo também uma pontuação de prejuízo global.

Dada a prevalência extremamente alta de condições comórbidas e o seu impacto significativo na qualidade de vida, uma avaliação sistemática para TDAH, TOC, transtornos de ansiedade, transtornos do humor e dificuldades de aprendizagem é uma parte indispensável do processo diagnóstico inicial.


Diagnóstico Diferencial de Movimentos Hipercinéticos


Um dos maiores desafios no diagnóstico é distinguir os tiques de outros movimentos hipercinéticos. Esta diferenciação baseia-se não apenas na aparência do movimento, mas crucialmente na experiência subjetiva do paciente. A presença de um impulso premonitório, a capacidade de supressão temporária e o curso flutuante são as características que, em conjunto, mais fortemente distinguem os tiques de outras condições. A ausência do impulso premonitório, por exemplo, deve levar o clínico a considerar seriamente diagnósticos alternativos.


Tabela 2: Diagnóstico Diferencial dos Tiques vs. Outros Transtornos do Movimento

Característica Clínica

Tiques

Estereotipias

Coreia

Mioclonia

Compulsões (TOC)

Idade de Início Típica

4-6 anos

<3 anos

Variável

Variável

Variável

Ritmo

Não rítmico

Rítmico, fixo

Não rítmico, "fluido"

Súbito, "em choque"

Padrão ritualístico

Impulso Premonitório

Presente (geralmente)

Ausente (pode ser calmante)

Ausente

Ausente

Presente (ansiedade/obsessão)

Supressibilidade

Temporariamente supressível

Distraível, supressível

Não supressível

Não supressível

Resistido com ansiedade

Curso

Aumenta e diminui (waxing/waning)

Persistente, fixo

Contínuo

Breve, repetitivo

Ligado a gatilhos obsessionais

Estereotipias são movimentos mais rítmicos, de padrão fixo e prolongado (por exemplo, abanar as mãos ou balançar o corpo). Começam tipicamente antes dos 3 anos de idade e não são precedidas por um impulso premonitório; pelo contrário, podem ser auto-calmantes. Coreia consiste em movimentos involuntários, irregulares, breves e "fluidos" que parecem fluir de uma parte do corpo para outra de forma aleatória e contínua, ao contrário dos movimentos abruptos e repetitivos dos tiques. Mioclonia são contrações musculares extremamente rápidas, semelhantes a um choque elétrico, que não são supressíveis e não têm um impulso premonitório associado.

Compulsões do TOC podem assemelhar-se a tiques complexos, mas são tipicamente precedidas por um pensamento obsessivo ou medo (por exemplo, medo de contaminação) e são executadas de forma ritualística para neutralizar a ansiedade. Os tiques, em contrapartida, são impulsionados por uma necessidade sensorial ou física. Acatisia é uma sensação de inquietação interior e uma incapacidade de permanecer imóvel, geralmente um efeito secundário de medicamentos (especialmente antipsicóticos). É mais contínua e generalizada do que os tiques focais. Crises epilépticas, especialmente mioclônicas ou de ausência, podem ser confundidas com tiques motores (por exemplo, piscar de olhos). No entanto, as crises estão frequentemente associadas a uma alteração da consciência (mesmo que subtil) e podem ser diferenciadas através de um eletroencefalograma (EEG).

Recentemente, tem havido um aumento na apresentação de comportamentos semelhantes a tiques de natureza funcional (anteriormente chamados psicogênicos). Estes tendem a ter um início súbito e explosivo na adolescência, são mais comuns em mulheres, apresentam uma fenomenologia mais complexa e bizarra desde o início (sem a progressão rostrocaudal típica dos tiques primários) e podem ser influenciados por fatores psicossociais, incluindo a exposição a redes sociais. A diferenciação é crucial, pois o tratamento para tiques funcionais foca-se na terapia cognitivo-comportamental e na abordagem de stressores subjacentes, e não em medicamentos supressores de tiques.


Abordagens Terapêuticas Baseadas em Evidências

O manejo dos transtornos de tiques evoluiu significativamente, passando de um modelo puramente farmacológico para uma abordagem hierárquica e personalizada que prioriza a segurança, a preferência do paciente e o impacto funcional. O tratamento é indicado apenas quando os tiques causam dor, lesão, sofrimento psicossocial significativo ou interferência nas atividades acadêmicas, sociais ou profissionais.


Princípios Gerais de Tratamento e Intervenções Psicoeducacionais


O tratamento deve ser sempre individualizado, baseado numa decisão colaborativa entre o clínico, o paciente e a família. O objetivo terapêutico não é a eliminação completa dos tiques, mas sim a redução do seu impacto na vida do indivíduo. O primeiro e mais crucial passo em todos os casos é a psicoeducação. Informar o paciente e a família sobre a natureza neurológica dos tiques, o seu curso flutuante e a alta probabilidade de melhoria com o tempo pode, por si só, reduzir a ansiedade e ser suficiente para casos leves e não incapacitantes. Esta abordagem, conhecida como "espera vigilante" ("watchful waiting"), é uma estratégia de manejo válida e recomendada.


Intervenções Comportamentais: A Primeira Linha de Tratamento


Com base em evidências robustas de ensaios clínicos randomizados e um perfil de efeitos secundários favorável, as intervenções comportamentais são agora recomendadas como a primeira linha de tratamento para tiques que causam prejuízo funcional, tanto pelas diretrizes americanas como europeias.

A Terapia de Reversão de Hábitos (TRH) é o componente central das terapias comportamentais para tiques. Consiste em duas partes principais: treino de consciencialização, onde o paciente aprende a detetar o início do impulso premonitório e a reconhecer quando o tique está prestes a ocorrer, e treino de resposta competitiva, onde o paciente aprende a executar um movimento voluntário que é fisicamente incompatível com o tique, mantendo-o até que o impulso premonitório diminua. Por exemplo, para um tique de encolher os ombros, a resposta competitiva pode ser empurrar os ombros para baixo e para trás.

A Intervenção Comportamental Abrangente para Tiques (CBIT) é uma terapia manualizada que integra a TRH com dois componentes adicionais: psicoeducação (informação detalhada sobre tiques e a ST) e análise funcional e intervenção (o terapeuta e o paciente identificam os antecedentes e as consequências que podem exacerbar os tiques, sendo então desenvolvidas estratégias para modificar estes fatores ambientais e internos). Múltiplos ensaios clínicos randomizados de grande escala demonstraram a eficácia da CBIT, com mais de metade dos participantes a apresentar reduções significativas na gravidade dos tiques, comparáveis aos efeitos dos medicamentos, mas sem os seus efeitos secundários.


Tratamento Farmacológico dos Tiques

A farmacoterapia é reservada para casos em que os tiques causam prejuízo significativo e não responderam adequadamente à terapia comportamental, ou quando esta não está disponível. O princípio orientador é "começar com doses baixas e aumentar lentamente" para minimizar os efeitos secundários.


Tabela 3: Resumo das Opções Farmacológicas para Tiques

Classe de Medicação

Exemplos

Mecanismo de Ação Principal

Eficácia Relativa

Principais Efeitos Adversos

Agonistas Alfa-2 Adrenérgicos

Clonidina, Guanfacina

Agonismo do receptor α2-adrenérgico pré-sináptico

Leve a Moderada (Especialmente com TDAH)

Sedação, hipotensão, tontura

Antipsicóticos de 2ª Geração

Aripiprazol, Risperidona

Antagonismo D2/5-HT2A

Moderada a Alta

Ganho de peso, síndrome metabólica, hiperprolactinemia

Inibidores de VMAT2

Tetrabenazina, Deutetrabenazina

Depleção de dopamina pré-sináptica

Moderada

Depressão, acatisia, parkinsonismo, sonolência

Antipsicóticos de 1ª Geração

Haloperidol, Pimozida

Antagonismo D2 potente

Alta

Sintomas extrapiramidais (EPS), discinesia tardia, sedação

Os agonistas alfa-2 adrenérgicos (clonidina, guanfacina) são frequentemente considerados a primeira opção farmacológica devido ao seu perfil de segurança mais favorável. São particularmente úteis em pacientes com TDAH comórbido, pois podem tratar simultaneamente os tiques e os sintomas de TDAH. A sua eficácia na supressão de tiques é considerada modesta.

Os antipsicóticos são os agentes mais eficazes na supressão de tiques, mas o seu uso é limitado por um risco significativo de efeitos adversos. Os de primeira geração (haloperidol, pimozida) são potentes bloqueadores dos receptores D2 e muito eficazes. No entanto, estão associados a um risco mais elevado de sintomas extrapyramidais (EPS), como distonia aguda, parkinsonismo e, a longo prazo, discinesia tardia, um distúrbio do movimento potencialmente irreversível. O seu uso tem vindo a diminuir. Os de segunda geração (aripiprazol, risperidona) são agora mais utilizados por terem um menor risco de EPS. Contudo, estão associados a efeitos secundários metabólicos, incluindo ganho de peso significativo, dislipidemia e alterações na glicemia, que requerem monitorização regular. Aripiprazol, haloperidol e pimozida são os únicos medicamentos aprovados pela FDA para o tratamento de tiques na ST nos EUA.

Os inibidores do Transportador Vesicular de Monoaminas 2 (VMAT2), como a tetrabenazina e os seus derivados mais recentes (deutetrabenazina, valbenazina), atuam diminuindo a libertação pré-sináptica de dopamina. São eficazes na redução dos tiques e, crucialmente, não causam discinesia tardia, o que os torna uma alternativa valiosa aos antipsicóticos. No entanto, podem causar depressão, sonolência e parkinsonismo.

Para tiques focais e perturbadores, como tiques no pescoço que causam dor, as injeções de toxina botulínica no músculo afetado podem ser uma opção eficaz. O topiramato, um anticonvulsivante, também demonstrou eficácia na redução de tiques e é considerado uma opção alternativa.


Tratamento das Comorbidades Prevalentes


Como mencionado, o tratamento das comorbidades é frequentemente a prioridade clínica. Para o TDAH, podem ser utilizados estimulantes (metilfenidato), uma vez que as preocupações iniciais sobre a exacerbação de tiques foram largamente atenuadas por estudos recentes, ou não estimulantes como a atomoxetina e os agonistas alfa-2. Para o TOC, os Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS) são o tratamento de primeira linha.


Neuroestimulação para Casos Refratários


Para um pequeno subgrupo de adultos (e casos muito selecionados de adolescentes) com ST grave e refratária a múltiplas intervenções comportamentais e farmacológicas, a Estimulação Cerebral Profunda (DBS) é uma opção terapêutica. Os alvos mais comuns para a implantação de eletrodos de DBS situam-se em nós chave dos circuitos CETC, incluindo o tálamo (complexo centromediano-parafascicular, CM-Pf) e o globo pálido interno (GPi).

Meta-análises demonstram que a DBS pode produzir uma redução média na gravidade dos tiques superior a 50% na escala YGTSS. Algumas evidências sugerem que os alvos palidais podem ser ligeiramente superiores tanto para os tiques como para os sintomas de TOC. A seleção de candidatos para DBS é um processo rigoroso que requer uma equipa multidisciplinar. Os critérios baseiam-se em cinco pilares: gravidade extrema dos tiques, qualidade de vida severamente comprometida, refratariedade comprovada aos tratamentos convencionais, estabilidade das comorbidades psiquiátricas e idade apropriada.


Terapias Emergentes e Direções Futuras

A investigação continua a procurar novas e melhores opções de tratamento para a ST. Estão em curso ensaios clínicos com novos agentes, como o ecopipam (um antagonista do receptor de dopamina D1) e terapias baseadas em canabinoides (por exemplo, dronabinol), que mostraram resultados promissores em estudos preliminares.

Abordagens não invasivas, como a estimulação magnética transcraniana (EMT), estão a ser exploradas. Um desenvolvimento recente e promissor é um dispositivo de pulso que administra estimulação elétrica ao nervo mediano. Um ensaio clínico demonstrou que este dispositivo reduz significativamente a frequência e a gravidade dos tiques, possivelmente através da modulação das oscilações cerebrais. Além disso, estão a ser desenvolvidos sensores vestíveis para a monitorização objetiva dos tiques, o que poderá melhorar a avaliação clínica e a personalização da terapia.


Conclusões


Os transtornos de tiques, particularmente a Síndrome de Tourette, representam condições neuropsiquiátricas complexas que requerem uma abordagem multidisciplinar abrangente. A compreensão atual da fisiopatologia, centrada na disfunção dos circuitos cortico-estriato-talamo-corticais e nos desequilíbrios neuroquímicos, fornece uma base sólida para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas direcionadas. O reconhecimento da natureza prevalente das comorbidades neuropsiquiátricas transformou o paradigma de tratamento, enfatizando a necessidade de uma avaliação holística e um manejo individualizado.

As evidências atuais suportam fortemente as intervenções comportamentais como primeira linha de tratamento, reservando a farmacoterapia para casos mais graves ou refratários. O futuro da área promete avanços significativos através de novas modalidades terapêuticas, incluindo neuroestimulação não invasiva e terapias personalizadas baseadas em perfis genéticos e neurofisiológicos individuais.


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