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Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS)

A Escala de Gravidade Global de Tiques de Yale (YGTSS) representa um instrumento clínico semi-estruturado desenvolvido por Leckman e colaboradores em 1989, consolidando-se como padrão-ouro para avaliação da gravidade de tiques em pacientes com Síndrome de Tourette e outros transtornos de tiques¹. A escala foi concebida para preencher uma lacuna crítica na quantificação objetiva dos sintomas, fornecendo uma avaliação multidimensional que abrange número, frequência, intensidade, complexidade e interferência dos tiques motores e fônicos ocorridos na semana anterior à avaliação².

Estruturalmente, a YGTSS compreende uma lista de verificação de sintomas, dimensões de avaliação da gravidade e uma avaliação do prejuízo global, gerando cinco escores principais: Escore Total de Tiques Motores (0-25), Escore Total de Tiques Fônicos (0-25), Escore Total de Tiques (TTS, 0-50), Classificação de Prejuízo Geral (0-50) e Escore de Gravidade Global (GSS, 0-100).

Os estudos de validação psicométrica da YGTSS demonstram propriedades robustas, embora análises contemporâneas revelem algumas limitações. Investigações iniciais reportaram excelente confiabilidade interavaliadores com coeficientes de correlação intraclasse entre 0,84 e 0,95, enquanto estudos de estabilidade teste-reteste encontraram correlações adequadas após intervalos de 48 dias³. A consistência interna apresenta resultados divergentes dependendo da métrica utilizada: estudos anteriores usando Alfa de Cronbach reportaram valores entre 0,92 e 0,99, porém análises mais rigorosas utilizando Ômega de McDonald encontraram valores mais modestos (Ω=0,58)⁴. A validade convergente é bem estabelecida, com correlações fortes entre escores da YGTSS e outras medidas de gravidade de tiques (rs = 0,65 com Clinical Global Impression), enquanto a validade discriminante é adequada, mostrando correlações baixas a moderadas com sintomas de comorbidades psiquiátricas⁵.

Na prática clínica, a YGTSS serve como ferramenta fundamental para avaliação inicial, planeamento terapêutico e monitorização da resposta ao tratamento. Diretrizes clínicas europeias para Síndrome de Tourette reconhecem a YGTSS como padrão-ouro, com 73,6% dos clínicos utilizando escalas estruturadas para apoiar o diagnóstico, sendo a YGTSS universalmente empregada entre estes profissionais⁶. A escala permite estratificação da gravidade dos tiques para orientar decisões terapêuticas, desde psicoeducação e observação em casos leves até intervenções farmacológicas ou comportamentais em casos moderados a severos. Estudos recentes estabeleceram benchmarks de gravidade correlacionando escores da YGTSS com a Clinical Global Impression of Severity, embora a concordância seja apenas moderada (coeficientes kappa 0,21-0,32), refletindo a complexidade multifatorial da avaliação clínica dos transtornos de tiques.

O papel da YGTSS em ensaios clínicos é amplamente consolidado, servindo como medida de desfecho primário em estudos farmacológicos e de intervenções comportamentais. A sensibilidade à mudança da escala foi demonstrada em diversos contextos terapêuticos, incluindo tratamentos com aripiprazol, terapias comportamentais como CBIT (Intervenção Comportamental Abrangente para Tiques) e neuroestimulação⁷. Um avanço significativo na interpretação dos resultados foi o estabelecimento de benchmarks para mudança clinicamente significativa: uma redução de 25-35% no TTS da YGTSS correlaciona-se com classificações de "muito melhorado" na Clinical Global Impression-Improvement, oferecendo sensibilidade de 87% e especificidade de 84% para predizer resposta positiva ao tratamento⁸. Esta padronização permitiu transição de análises focadas em médias de grupo para avaliações centradas na relevância clínica individual, calculando proporções de "respondedores" ao tratamento.

A adaptação transcultural da YGTSS revela um panorama heterogêneo de validações internacionais. Versões validadas incluem adaptações para polonês (α=0,73, n=60), chinês (α=0,84-0,90 para subescalas, confiabilidade teste-reteste 0,84, n=367) e espanhol (α=0,996-0,997), demonstrando propriedades psicométricas adequadas em diferentes contextos culturais. No Brasil, embora exista uma tradução realizada pelo Projeto dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (PROTOC-USP) por pesquisadores renomados como Maria Conceição do Rosário-Campos e Eurípedes Constantino Miguel Filho, não foram identificados estudos publicados de validação psicométrica formal para o português brasileiro⁹. Esta lacuna representa uma limitação metodológica significativa, considerando que a utilização de instrumentos traduzidos sem validação compromete a robustez dos dados de pesquisa e a comparabilidade com estudos internacionais.

As limitações da YGTSS incluem tempo de administração prolongado (20-45 minutos), necessidade de treinamento especializado e fragilidades psicométricas identificadas por análises contemporâneas. Análises fatoriais confirmatórias recentes demonstraram ajuste apenas marginal do modelo de dois fatores (RMSEA=0,09, CFI=0,90), com erros de medição correlacionados sugerindo necessidade de refinamento na formulação dos itens¹⁰. A escala também apresenta avaliação agregada de tiques, limitando sua utilidade para intervenções direcionadas a sintomas específicos. Instrumentos complementares como PUTS (Premonitory Urge for Tics Scale), Parent Tic Questionnaire e Rush Video-Based Tic Rating Scale emergem como alternativas para contextos específicos, promovendo uma abordagem multimodal na avaliação dos transtornos de tiques. A evolução futura do campo caminha para integração de múltiplas ferramentas de avaliação, reconhecendo que cada instrumento possui forças e limitações específicas para diferentes finalidades clínicas e de pesquisa.


Referências:


  1. Leckman JF, Riddle MA, Hardin MT, et al. The Yale Global Tic Severity Scale: initial testing of a clinician-rated scale of tic severity. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 1989;28(4):566-573.

  2. Haas M, Jakubovski E, Fremer C, et al. Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS): Psychometric Quality of the Gold Standard for Tic Assessment Based on the Large-Scale EMTICS Study. Front Psychiatry. 2021;12:626459.

  3. Storch EA, Murphy TK, Geffken GR, et al. Reliability and validity of the Yale Global Tic Severity Scale. Psychol Assess. 2005;17(4):486-491.

  4. McGuire JF, Piacentini J, Storch EA, et al. A multicenter examination and strategic revisions of the Yale Global Tic Severity Scale. Neurology. 2018;90(19):e1711-e1719.

  5. Wen F, Gu Y, Yan J, et al. Revisiting the structure of the Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS) in a sample of Chinese children with tic disorders. BMC Psychiatry. 2021;21(1):394.

  6. Müller-Vahl KR, Szejko N, Verdellen C, et al. European clinical guidelines for Tourette syndrome and other tic disorders—version 2.0. Part I: assessment. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2022;31(3):383-402.

  7. Piacentini J, Woods DW, Scahill L, et al. Behavior therapy for children with Tourette disorder: a randomized controlled trial. JAMA. 2010;303(19):1929-1937.

  8. Jeon S, Walkup JT, Woods DW, et al. Detecting a clinically meaningful change in tic severity in Tourette syndrome: a comparison of three methods. Psychiatry Res. 2013;205(1-2):43-48.

  9. Rosário-Campos MC, Mercadante MT, Hounie AG, Miguel EC. Projeto dos Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (PROTOC). Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo.

  10. Martino D, Pringsheim TM, Cavanna AE, et al. Systematic review of severity scales and screening instruments for tics: critique and recommendations. Mov Disord. 2017;32(3):467-473.




 
 
 

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