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Distonia: classificação, fisiopatologia e manejo clínico


A distonia representa um dos distúrbios do movimento mais complexos e heterogêneos enfrentados na prática neurológica contemporânea. Definida como um distúrbio do movimento caracterizado por contrações musculares sustentadas ou intermitentes que causam movimentos anormais, frequentemente repetitivos, posturas ou ambos, a distonia apresenta uma fenomenologia diversa que desafia tanto o diagnóstico quanto o manejo terapêutico. Os movimentos distônicos são tipicamente padronizados, com características de torção e podem ser tremulantes, sendo frequentemente iniciados ou exacerbados pela ação voluntária e associados à ativação muscular transbordante. A compreensão atual da distonia evoluiu significativamente desde sua primeira descrição por Oppenheim em 1911, passando de uma condição considerada rara para um distúrbio reconhecido como relativamente comum, com implicações neurobiológicas profundas que conectam disfunções nos circuitos córtico-estriato-tálamo-corticais e córtico-cerebelo-tálamo-corticais.

A heterogeneidade clínica da distonia reflete a complexidade de seus mecanismos fisiopatológicos subjacentes, que envolvem múltiplas vias moleculares convergentes. Esta diversidade fenotípica tem implicações diretas no desenvolvimento de estratégias diagnósticas e terapêuticas, requerendo uma abordagem sistemática que considere não apenas a apresentação clínica, mas também os aspectos genéticos, neuroanatômicos e neurofisiológicos. A classificação atual foi substancialmente atualizada pela publicação do consenso de Albanese et al. em 2025, que revisou o sistema original de 2013 após mais de uma década de experiência com sua implementação. O novo consenso internacional, desenvolvido por um painel de 13 especialistas entre fevereiro de 2023 e abril de 2024, manteve a estrutura inovadora de dois eixos, mas introduziu modificações importantes para facilitar uma aplicação mais uniforme e consistente na prática clínica. A principal mudança na definição refere-se à remoção da referência específica a "contrações musculares" para evitar confusão com condições neuromusculares que afetam diretamente músculos ou nervos, sendo substituída por "movimentos anormais sustentados ou intermitentes". Adicionalmente, foi especificado que a distonia pode também apresentar características "semelhantes a abalos" (jerky), reconhecendo a sobreposição fenomenológica com mioclonia. Como afirmado anteriormente, a definição atualizada estabelece que "distonia é um distúrbio do movimento caracterizado por movimentos ou posturas anormais sustentados ou intermitentes. Os movimentos e posturas distônicos são tipicamente padronizados e repetitivos e podem ser tremulosos ou abaláveis. São frequentemente iniciados ou exacerbados pela ação voluntária e frequentemente associados a movimentos de transbordamento."


Epidemiologia

Os estudos epidemiológicos sobre distonia enfrentam desafios significativos devido à heterogeneidade da condição e à frequente subdetecção ou diagnóstico incorreto. Dados recentes do estudo epidemiológico de Hannover indicam que a prevalência geral da distonia é maior do que anteriormente estimado, com valores variando entre 16,4 e 50 casos por 100.000 habitantes, dependendo dos critérios diagnósticos utilizados e da população estudada. A distonia focal cervical representa a forma mais comum de distonia primária em adultos, com prevalência estimada entre 5,7 e 57 casos por 100.000 habitantes, sendo mais frequente em mulheres com proporção de aproximadamente 2:1. A distonia generalizada primária apresenta prevalência significativamente menor, variando entre 0,3 e 3,4 casos por 100.000 habitantes, mas representa um fardo clínico proporcionalmente maior devido à gravidade dos sintomas e impacto funcional.

A idade de início constitui um fator epidemiológico crucial, com padrões distintos observados entre diferentes formas de distonia. As distonias de início precoce, definidas como aquelas que se manifestam antes dos 21 anos, frequentemente apresentam componente genético e tendem à generalização. Em contraste, as distonias de início tardio, mais comuns após os 40 anos, tipicamente permanecem focais ou segmentares e demonstram menor probabilidade de identificação de causas genéticas monogênicas. Estudos populacionais recentes revelam que aproximadamente 61% dos pacientes com distonia isolada receberam tratamento com toxina botulínica, evidenciando sua posição como terapia de primeira linha para formas focais e segmentares. A distribuição geográfica da distonia mostra variações interessantes, com certas formas genéticas apresentando efeitos fundadores em populações específicas, como a distonia-parkinsonismo ligada ao X nas Filipinas e a distonia DYT-TOR1A em populações judaicas ashkenazi.


Fisiopatologia e Neuropatologia

A fisiopatologia da distonia envolve disfunções complexas em redes neurais específicas, principalmente nos circuitos córtico-estriato-tálamo-corticais e córtico-cerebelo-tálamo-corticais. Evidências convergentes de neuroimagem, estudos neurofisiológicos e modelos animais indicam que a distonia resulta não de lesões em uma única estrutura cerebral, mas de alterações nos padrões espaciais e temporais de atividade dentro dessas redes interconectadas. O modelo tradicional baseado no desequilíbrio entre as vias direta e indireta dos gânglios da base foi reavaliado, sendo atualmente substituído por teorias que enfatizam a importância dos padrões de atividade neural em frequências específicas e da conectividade anormal entre diferentes componentes da rede.

Estudos de registro de potenciais de campo local durante estimulação cerebral profunda revelaram alterações características na atividade oscilatória do globo pálido interno em pacientes com distonia. Enquanto primatas não-humanos apresentam oscilações em aproximadamente 20 Hz em repouso e 80 Hz durante movimento, pacientes com distonia demonstram atividade aumentada em baixas frequências (3-12 Hz) em repouso. Esta atividade de baixa frequência pode impedir a formação dos padrões espaciais e temporais flexíveis de atividade neural necessários para o controle motor normal. Adicionalmente, a conectividade anormal entre cerebelo e gânglios da base, tradicionalmente considerados circuitos separados, emerge como componente crítico na patogênese da distonia, com conexões diretas entre essas estruturas desempenhando papel fundamental na modulação do controle motor.

Os mecanismos moleculares subjacentes à distonia envolvem múltiplas vias patogênicas que convergem para disfunções comuns. A sinalização dopaminérgica estriatal representa uma via central, considerando que a distonia é frequentemente observada em pacientes com doença de Parkinson e como efeito colateral de agentes antidopaminérgicos. O estriado, principal estação de entrada dos núcleos da base, é composto principalmente por neurônios espinhosos médios que recebem entrada glutamatérgica excitatória do córtex e modulação dopaminérgica do mesencéfalo. A transcripção gênica e neurodesenvolvimento constituem outra via importante, com genes como THAP1 e KMT2B regulando a expressão gênica durante o desenvolvimento neural. A sinalização de cálcio e transmissão sináptica também são fundamentais, com alterações na homeostase do cálcio intracelular afetando a plasticidade sináptica e o controle motor. Outras vias incluem resposta ao estresse celular, função do retículo endoplasmático e envelope nuclear, organização do citoesqueleto, e autofagia e função lisossomal.


Nova Classificação e Formas Genéticas


A nomenclatura para formas genéticas de distonia, estabelecida pela International Parkinson and Movement Disorder Society Task Force em 2016 e atualizada em 2022, representa uma evolução significativa dos sistemas de classificação anteriores. A nova nomenclatura abandona o sistema DYT1, DYT2, etc., em favor de uma abordagem mais informativa que inclui o prefixo do distúrbio, seguido pelo gene causal. Segundo a atualização de 2022, 52 genes são atualmente listados para formas monogênicas de distonia, incluindo 9 genes causando formas isoladas, 10 genes causando formas combinadas e 33 genes causando formas complexas de distonia.

As formas genéticas de distonia isolada incluem DYT-TOR1A (distonia de início precoce generalizada), DYT-THAP1 (distonia focal ou segmentar de início variável), DYT-SGCE (mioclonia-distonia), DYT-GNAL (distonia cervical ou craniocervical), DYT-ANO3 (distonia craniocervical), DYT-CIZ1 (distonia cervical), DYT-KCTD17 (distonia de início precoce), DYT-HPCA (distonia generalizada) e DYT-KMT2B (distonia generalizada de início precoce). Cada uma dessas formas apresenta características fenotípicas distintas, padrões de herança específicos e penetrância variável, refletindo a complexidade genética da distonia.

A forma DYT-TOR1A, causada por uma deleção de três nucleotídeos no gene TOR1A, representa o paradigma da distonia genética. Apresenta penetrância reduzida de aproximadamente 30%, com expressividade variável que pode variar desde portadores assintomáticos até distonia generalizada grave. A idade de início é tipicamente precoce, antes dos 26 anos, com início frequente nas extremidades e tendência à generalização. Fatores modificadores da penetrância incluem o polimorfismo p.Asp216His no mesmo gene, que pode proteger contra o desenvolvimento da doença quando presente em trans ao alelo patogênico.

DYT-THAP1 causa distonia de início variável, frequentemente focal ou segmentar, afetando predominantemente região cervical, laríngea ou dos membros superiores. A penetrância é parcial e pode ser influenciada por fatores epigenéticos relacionados à regulação transcricional. DYT-SGCE apresenta padrão de herança com imprinting materno, resultando em penetrância quase nula quando a mutação é herdada da mãe, devido à metilação do alelo materno. O fenótipo típico inclui mioclonia-distonia, com mioclonia predominando nos membros superiores e distonia afetando pescoço e tronco.

As distonias combinadas, onde a distonia coexiste com outros distúrbios do movimento, incluem formas como DYT/PARK-GCH1 (distonia responsiva à dopa), DYT/PARK-ATP1A3 (distonia-parkinsonismo de início rápido) e DYT/CHOR-ADCY5 (distonia com coréia). Essas formas frequentemente apresentam características clínicas sobrepostas que podem complicar o diagnóstico diferencial. As distonias complexas englobam condições onde a distonia é parte de um síndrome mais ampla, incluindo formas como DYT-ATP7B (doença de Wilson), várias formas de neurodegeneração com acúmulo de ferro no cérebro (NBIA) e distonias mitocondriais.


Quadro Clínico e Critérios Diagnósticos

O diagnóstico de distonia baseia-se primariamente no exame clínico realizado por neurologista experiente em distúrbios do movimento, seguindo a definição de consenso atualizada. O examinador deve identificar cinco sinais físicos característicos da síndrome distônica: dois sinais principais (movimentos distônicos e posturas distônicas) e três sinais adicionais (distonia em espelho, distonia de transbordamento e gestes antagonistes ou truques sensoriais). Os movimentos distônicos são caracterizados por contrações musculares sustentadas ou intermitentes, frequentemente com padrão de torção, que podem ser lentos ou rápidos e tipicamente irregulares. As posturas distônicas envolvem posicionamento anormal sustentado de partes do corpo, frequentemente com componente rotacional ou de flexão/extensão.


Figura. Representações gráficas de diferentes fenótipos de distonia: (A) Blefaroespasmo — contrações involuntárias dos músculos orbiculares palpebrais; (B) Distonia cervical — rotação e inclinação sustentada do pescoço; (C) Distonia generalizada ( como em DYT-TOR1A — postura distônica em múltiplas regiões corporais; (D) Distonia focal da mão tarefa-específica (Câimbra do escrivão) — movimentos e posturas anormais do punho durante a escrita.
Figura. Representações gráficas de diferentes fenótipos de distonia: (A) Blefaroespasmo — contrações involuntárias dos músculos orbiculares palpebrais; (B) Distonia cervical — rotação e inclinação sustentada do pescoço; (C) Distonia generalizada ( como em DYT-TOR1A — postura distônica em múltiplas regiões corporais; (D) Distonia focal da mão tarefa-específica (Câimbra do escrivão) — movimentos e posturas anormais do punho durante a escrita.


A distonia em espelho refere-se à postura anormal unilateral induzida por movimentos contralaterais, enquanto a distonia de transbordamento envolve contração involuntária de músculos anatomicamente distintos do movimento primário. Os gestes antagonistes ou truques sensoriais representam manobras específicas que temporariamente aliviam os sintomas distônicos, constituindo característica altamente específica da distonia. Estes truques podem incluir toque suave na área afetada, mudanças posturais específicas ou realização de tarefas motoras particulares.

A classificação clínica considera múltiplas dimensões. Quanto à distribuição corporal, a distonia pode ser focal (região corporal única), segmentar (duas ou mais regiões contíguas), multifocal (duas ou mais regiões não-contíguas), generalizada (tronco e pelo menos duas outras regiões) ou hemidistonia (metade do corpo). O padrão temporal pode ser persistente, paroxístico ação-específico, paroxístico não-específico da ação ou tardio. Características associadas incluem tremor distônico, mioclonia ou outros distúrbios do movimento.

Critérios diagnósticos específicos foram desenvolvidos para certas formas focais, como blefaroespasmo e distonia cervical. Para blefaroespasmo, os critérios incluem contrações involuntárias bilaterais dos músculos orbiculares, episódicas ou persistentes, com início na idade adulta, ausência de outras causas identificáveis e duração mínima de sintomas. Critérios para distonia cervical isolada enfatizam contrações involuntárias dos músculos cervicais causando movimentos e/ou posturas anormais da cabeça e pescoço, início típico na idade adulta, progressão ou persistência dos sintomas e ausência de outras causas conhecidas.

O diagnóstico diferencial deve considerar condições que podem mimetizar distonia, incluindo tiques, estereotipias, coréia, atetose, espasticidade e distonia funcional. A distonia funcional, previamente denominada psicogênica, apresenta características distintivas como início súbito, padrão fixo, inconsistência dos sintomas e possível melhora com distração. Sinais de alerta para distonia funcional incluem início súbito após trauma, postura fixa que não varia com atividade e padrão dos sintomas inconsistente com anatomia conhecida.


Exames Complementares


O diagnóstico de distonia permanece essencialmente clínico, com exames complementares desempenhando papel de apoio e exclusão de causas secundárias. Não existe teste diagnóstico específico para distonia idiopática, e exames de imagem e laboratoriais são tipicamente normais em pacientes com formas primárias. A abordagem diagnóstica deve ser orientada pela apresentação clínica, idade de início, distribuição dos sintomas e presença de características atípicas.

Neuroimagem estrutural com ressonância magnética pode ser necessária para excluir lesões estruturais, particularmente em casos de hemidistonia ou início súbito. Em distonias relacionadas ao metabolismo de ferro, como nas síndromes NBIA, a ressonância magnética pode revelar o sinal do "olho de tigre" característico no globo pálido. Para distonia-parkinsonismo, o SPECT com transportador de dopamina pode diferenciar entre distonia pura e condições com degeneração dopaminérgica. Estudos de neuroimagem funcional e conectividade têm valor principalmente em pesquisa, revelando alterações nos padrões de ativação e conectividade entre regiões cerebrais.

Testes laboratoriais específicos são indicados baseados na apresentação clínica. Em casos de distonia generalizada de início precoce, testes para deficiência de tetraidrobiopterina incluem mensuração de neurotransmissores no líquido cefalorraquidiano e teste terapêutico com levodopa. Para suspeita de doença de Wilson, avaliação inclui ceruloplasmina sérica, cobre sérico e urinário e exame oftalmológico para anel de Kayser-Fleischer. Em distonias com características paroxísticas, estudos metabólicos podem identificar deficiências enzimáticas específicas.

A neurofisiologia clínica pode fornecer informações diagnósticas suplementares. A medida com maior evidência para identificação de pacientes com distonia é o limiar de discriminação temporal somatossensorial (STDT), que se encontra elevado em múltiplas formas de distonia. Eletromiografia pode revelar características típicas como co-contração de músculos antagonistas, ativação muscular prolongada e padrões de ativação anormais. Estudos de reflexos e inibição cortical podem demonstrar redução da inibição em múltiplos níveis do sistema nervoso.

Testes genéticos devem ser guiados por características clínicas específicas, incluindo idade de início, distribuição corporal, características associadas e história familiar. Para distonia de início precoce, especialmente se generalizada, testes para DYT-TOR1A são frequentemente indicados. Em casos de mioclonia-distonia, investigação do gene SGCE é apropriada. Para distonia responsiva à dopa, testes para genes GCH1, TH e SPR devem ser considerados. Painéis genéticos amplos para distonia tornaram-se disponíveis e podem identificar variantes patogênicas em aproximadamente 20-30% dos casos com apresentação compatível.


Tratamento

Princípios Gerais do Tratamento


O tratamento da distonia permanece sintomático, com abordagem terapêutica orientada principalmente pela distribuição dos sintomas distônicos. A estratégia terapêutica deve considerar a gravidade dos sintomas, impacto funcional, qualidade de vida do paciente e resposta a tratamentos prévios. Para distonias focais e segmentares, a toxina botulínica representa a terapia de primeira linha, enquanto medicações orais são tipicamente reservadas para distonias generalizadas ou como adjuvantes. A estimulação cerebral profunda constitui opção para casos refratários ou quando outros tratamentos são inadequados.

Terapias físicas e não-invasivas complementam o tratamento farmacológico. Fisioterapia e retreinamento podem ajudar a manter mobilidade e prevenir contraturas. Técnicas de biofeedback e relaxamento podem proporcionar benefício adicional. Estimulação magnética transcraniana repetitiva e estimulação transcraniana por corrente contínua mostram evidências preliminares de eficácia, embora ainda requeiram validação em estudos controlados maiores.


Tratamento com Toxina Botulínica


A introdução da toxina botulínica nos anos 1980 representa o avanço mais importante no tratamento da distonia. A toxina botulínica é produzida pelo Clostridium botulinum e possui sete sorotipos imunologicamente distintos (A-G), cada um composto por uma cadeia pesada de 100 kDa e uma cadeia leve de 50 kDa. A cadeia pesada liga-se aos terminais nervosos colinérgicos periféricos e facilita a endocitose da toxina, após a qual a cadeia leve é liberada no citoplasma e cliva as proteínas SNARE necessárias para transmissão sináptica, especificamente para fusão das vesículas contendo acetilcolina.

A eficácia da toxina botulínica foi confirmada por múltiplas revisões sistemáticas, mostrando benefício significativo em distonia cervical, blefaroespasmo e outras distonias focais. Em estudos controlados, aproximadamente 90-95% dos pacientes com distonia cervical e blefaroespasmo apresentam melhora clinicamente significativa. A duração média do efeito varia entre 12-16 semanas, necessitando reaplicações regulares. Os produtos comerciais disponíveis incluem onabotulinumtoxinA, abobotulinumtoxinA e incobotulinumtoxinA, com diferenças nas doses recomendadas e perfis de difusão.

O sucesso do tratamento com toxina botulínica depende criticamente da seleção adequada dos músculos e técnica de injeção precisa. Para distonia cervical, os músculos mais comumente injetados incluem esternocleidomastoideo, trapézio, esplênio, levantador da escápula e músculos cervicais profundos. A orientação por eletromiografia ou ultrassom pode melhorar a precisão das injeções, especialmente para músculos profundos. Dose inicial típica varia entre 200-400 unidades de onabotulinumtoxinA, com ajustes baseados na resposta e efeitos colaterais.

Contraindicações incluem hipersensibilidade conhecida, infecção no local de injeção, distúrbios da junção neuromuscular e gravidez. Efeitos adversos são geralmente leves e transitórios, incluindo dor no local de injeção, fraqueza muscular focal e, raramente, disfagia ou disfonia. Aproximadamente 1% dos pacientes desenvolvem anticorpos neutralizantes clinicamente relevantes durante tratamento prolongado, manifestando-se como perda progressiva de eficácia.

Uma fração significativa de pacientes não responde inicialmente à toxina botulínica ou perde eficácia ao longo do tempo. Causas de falha incluem seleção inadequada de músculos, técnica de injeção imprecisa, dose insuficiente, desenvolvimento de anticorpos neutralizantes ou natureza complexa dos movimentos distônicos. Estratégias para otimizar resposta incluem reavaliação da técnica de injeção, ajuste de doses, uso de orientação por imagem e, em casos selecionados, mudança para preparação diferente de toxina botulínica.


Estimulação Cerebral Profunda


A estimulação cerebral profunda (DBS) representa alternativa eficaz para pacientes com distonia refratária ao tratamento com toxina botulínica ou medicações orais. O desenvolvimento desta técnica foi baseado na compreensão de que a distonia resulta de disfunção de redes neurais, particularmente envolvendo os núcleos da base e cerebelo. A estimulação de alta frequência pode modular atividade neural anormal e restaurar padrões mais fisiológicos de conectividade cerebral.

O globo pálido interno (GPi) constitui o alvo mais estabelecido para estimulação cerebral profunda em distonia, com evidência robusta de eficácia em formas isoladas hereditárias ou idiopáticas. Meta-análises demonstram melhora média de aproximadamente 65% nos escores de distonia, com benefícios sustentados por períodos prolongados, até 15 anos em alguns estudos. A estimulação bilateral do GPi mostrou eficácia particular em distonia generalizada primária, com estudos controlados randomizados confirmando benefícios significativos em função motora, incapacidade e atividades de vida diária.

O núcleo subtalâmico (STN) emerge como alvo alternativo viável, com estudos comparativos mostrando eficácia equivalente ao GPi em distonia cervical e generalizada. Vantagens potenciais do STN incluem menor consumo de bateria devido ao menor volume de estimulação necessário. Estudos de seguimento a longo prazo confirmam que tanto STN-DBS quanto GPi-DBS apresentam efeitos comparáveis e seguros por até 15 anos no tratamento da distonia.


Preditores de Sucesso na Estimulação Cerebral Profunda


Múltiplos fatores influenciam os resultados da estimulação cerebral profunda em distonia. A idade de início representa preditor importante, com pacientes mais jovens geralmente apresentando melhores resultados. Duração mais curta da doença correlaciona-se com melhores desfechos a longo prazo, particularmente em distonia DYT1 de início jovem. A proporção da vida vivida com distonia correlaciona-se inversamente com resposta à estimulação palidal, tanto em distonias primárias quanto secundárias na infância.

O subtipo etiológico constitui preditor crucial de resposta. Distonias primárias hereditárias ou idiopáticas demonstram melhores resultados comparadas a formas secundárias. Dentro das formas genéticas, DYT-TOR1A mostra excelente resposta, especialmente quando a estimulação é iniciada precocemente. Distonias secundárias, particularmente aquelas relacionadas a lesões cerebrais estruturais, apresentam resultados mais variáveis e geralmente menos favoráveis.

A distribuição corporal também influencia os resultados. Distonias focais demonstram melhora significativamente maior nos sintomas de incapacidade comparadas a formas segmentares e generalizadas, embora possam mostrar menor melhora em medidas de qualidade de vida. Distonias generalizadas tipicamente requerem períodos mais longos para atingir benefício máximo, com melhora continuando por meses a anos após implante.


Desfechos Clínicos da Estimulação Cerebral Profunda


Os desfechos da estimulação cerebral profunda em distonia são avaliados através de múltiplas medidas, incluindo escalas específicas de distonia, qualidade de vida, humor e efeitos adversos. A Escala de Distonia de Burke-Fahn-Marsden (BFMDRS) representa a medida primária de eficácia, avaliando tanto severidade motora quanto incapacidade funcional. Estudos de seguimento demonstram redução média de 50-70% nos escores totais da BFMDRS, com benefícios sustentados a longo prazo.

Qualidade de vida melhora significativamente após estimulação cerebral profunda, com benefícios observados em múltiplos domínios incluindo função física, dor, funcionamento social e saúde mental. O SF-36 e escalas específicas para distonia mostram melhorias clinicamente significativas que se correlacionam com redução dos sintomas motores. Aspectos do humor, incluindo depressão e ansiedade, frequentemente melhoram secundariamente à redução dos sintomas distônicos e melhora funcional.

Efeitos adversos da estimulação cerebral profunda são relativamente raros e geralmente transitórios. Complicações cirúrgicas incluem hemorragia intracraniana (< 2%), infecção (2-5%) e mau funcionamento do hardware (5-10% ao longo de 5 anos). Efeitos relacionados à estimulação podem incluir parestesias, disartria transitória ou, raramente, síndrome hipocinética com freezing da marcha em pacientes submetidos à estimulação do GPi. A maioria destes efeitos pode ser manejada através de ajustes nos parâmetros de estimulação.

Estudos recentes investigam otimização da estimulação através de técnicas adaptativas que ajustam parâmetros baseados em sinais neurais em tempo real. Estas abordagens prometem melhorar ainda mais os resultados e reduzir efeitos colaterais. Adicionalmente, desenvolvimento de novos alvos de estimulação, incluindo núcleos cerebelares profundos e zona incerta ventral, pode expandir opções terapêuticas para pacientes com formas específicas de distonia.


Conclusão


A distonia representa um grupo heterogêneo de distúrbios do movimento que requer abordagem diagnóstica e terapêutica multifacetada. Os avanços na compreensão da fisiopatologia, identificação de causas genéticas e desenvolvimento de terapias direcionadas transformaram significativamente o manejo desta condição. A classificação atual baseada em dois eixos proporciona framework robusto para caracterização clínica e orientação terapêutica. O reconhecimento de múltiplas vias moleculares convergentes oferece perspectivas promissoras para desenvolvimento de terapias direcionadas que transcendem subtipos genéticos específicos.

O tratamento moderno da distonia combina intervenções farmacológicas, procedimentos médicos e de suporte, com toxina botulínica mantendo posição central para formas focais e segmentares, enquanto estimulação cerebral profunda oferece opção eficaz para casos refratários. O sucesso terapêutico depende criticamente de diagnóstico precoce e preciso, seleção adequada de candidatos e otimização individualizada das intervenções. Desenvolvimentos futuros provavelmente incluirão terapias genéticas direcionadas, biomarcadores para estratificação de pacientes e técnicas de neuromodulação adaptativa, prometendo melhorar ainda mais os desfechos para pacientes com distonia.


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