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Doença de Huntington: neurodegeneração de origem hereditária

Introdução


A Doença de Huntington (DH) representa uma das desordens neurodegenerativas hereditárias mais bem caracterizadas da neurologia contemporânea, constituindo um paradigma monogênico de herança autossômica dominante que oferece insights muito singulares sobre os mecanismos fundamentais da neurodegeneração. Esta condição, historicamente conhecida como coreia de Huntington em referência às descrições pioneiras de George Huntington em 1872, resulta da expansão patológica de repetições do trinucleotídeo citosina-adenina-guanina (CAG) no primeiro éxon do gene da huntingtina (HTT), localizado no cromossomo 4p16.3. A mutação genética subjacente determina a síntese de uma forma alterada da proteína huntingtina (mHTT), caracterizada por uma expansão da sequência de poliglutamina em sua porção amino-terminal, conferindo propriedades neurotóxicas que desencadeiam cascatas patológicas complexas culminando em disfunção e morte neuronal seletiva.

A apresentação clínica da DH é caracterizada por uma tríade sintomática distintiva que engloba manifestações motoras, cognitivas e neuropsiquiátricas, todas progredindo de forma inexorável ao longo de décadas. Os sintomas motores predominantes incluem movimentos involuntários hipercinéticos, particularmente a coreia característica, além de alterações na coordenação, equilíbrio e controle motor voluntário. O declínio cognitivo manifesta-se principalmente através do comprometimento das funções executivas, alterações na velocidade de processamento e déficits na flexibilidade mental, enquanto as manifestações psiquiátricas abrangem um espectro amplo de alterações comportamentais e do humor. A natureza monogênica da DH, combinada com sua penetrância completa em portadores de 40 ou mais repetições CAG, proporciona oportunidades únicas para estudos de história natural e desenvolvimento de biomarcadores, permitindo a identificação de indivíduos portadores décadas antes do surgimento das primeiras manifestações clínicas.


Epidemiologia e Distribuição Global


A prevalência da DH apresenta variabilidade geográfica e étnica significativa, refletindo diferenças na frequência alélica e na instabilidade da repetição CAG entre diferentes populações. Em populações de ascendência europeia, particularmente no norte e oeste da Europa, as taxas de prevalência variam entre 2,71 e 13,7 casos por 100.000 habitantes, com estimativas mais recentes sugerindo uma prevalência média de aproximadamente 5,7 casos por 100.000 indivíduos. Esta prevalência elevada contrasta marcadamente com as taxas observadas em populações asiáticas e africanas, onde a doença é consideravelmente mais rara, com prevalências inferiores a 1 caso por 100.000 habitantes. A região da Venezuela, especificamente na área do Lago Maracaibo, apresenta a maior concentração mundial conhecida de casos de DH, com prevalências excepcionalmente elevadas atribuídas a efeitos fundadores e endogamia relativa.

A variação epidemiológica observada correlaciona-se diretamente com diferenças no comprimento médio das repetições CAG na população geral, fenômeno que influencia a propensão à instabilidade meiótica e consequente expansão para a faixa patogênica. Populações com maior prevalência da DH tendem a apresentar distribuições de repetições CAG deslocadas para valores mais elevados, aumentando a probabilidade de transmissão de alelos expandidos. Estudos epidemiológicos recentes documentaram um aumento consistente na incidência da DH nas últimas décadas, fenômeno parcialmente atribuído à maior disponibilidade e utilização de testes genéticos diagnósticos, permitindo a identificação de casos esporádicos ou de novo que anteriormente permaneciam sem diagnóstico definitivo. Fatores demográficos adicionais, incluindo o aumento da expectativa de vida e melhorias no acesso aos cuidados de saúde, também contribuem para o incremento observado na prevalência da doença.


Fisiopatologia Molecular e Celular


A fisiopatologia da DH fundamenta-se em mecanismos moleculares complexos desencadeados pela presença da proteína huntingtina mutante, cujas propriedades tóxicas resultam da expansão da sequência de poliglutamina além do limiar de 35 repetições. A conformação estrutural anômala da mHTT promove sua tendência à agregação, inicialmente formando oligômeros solúveis de pequeno tamanho, progredindo subsequentemente para fibrilas e, finalmente, grandes inclusões intraneuronais visíveis tanto no citoplasma quanto no núcleo celular. Evidências científicas contemporâneas indicam que os oligômeros solúveis, particularmente os fragmentos amino-terminais da mHTT gerados por clivagem proteolítica, constituem as espécies moleculares mais neurotóxicas, sendo preferencialmente acumuladas no tecido cerebral de indivíduos afetados pela DH.

A disfunção dos sistemas de degradação proteica representa um componente central da patogênese, com comprometimento tanto do sistema ubiquitina-proteassoma quanto dos mecanismos autofágicos responsáveis pela eliminação de proteínas danificadas ou mal dobradas. Este comprometimento resulta no acúmulo progressivo da mHTT e de outros substratos proteicos, contribuindo para o estresse celular e a ativação de vias de morte neuronal. A disfunção mitocondrial constitui outro mecanismo patogênico fundamental, manifestando-se através de alterações no transporte axonal de mitocôndrias, comprometimento da produção de adenosina trifosfato (ATP), desregulação da homeostase do cálcio intracelular e intensificação do estresse oxidativo. Estes eventos culminam na ativação de cascatas apoptóticas e outros mecanismos de morte celular programada.

A mHTT interfere adicionalmente com múltiplas funções celulares essenciais, incluindo a regulação transcricional através de interações anômalas com fatores de transcrição e coativadores, o transporte nucleocitoplasmático de macromoléculas, e a sinalização sináptica entre neurônios. A desregulação transcricional afeta particularmente genes envolvidos na plasticidade sináptica, neuroproteção e metabolismo energético, contribuindo para a vulnerabilidade neuronal progressiva. A neuroinflamação também desempenha papel significativo na progressão da doença, com ativação microglial e astrocitária contribuindo para um ambiente pró-inflamatório que amplifica os danos neuronais.


Neuropatologia e Padrões de Degeneração


A neuropatologia da DH caracteriza-se por um padrão específico e hierárquico de degeneração neuronal que afeta primariamente os neurônios espinhosos médios do estriado, representando aproximadamente 95% da população neuronal desta estrutura subcortical. A vulnerabilidade seletiva destes neurônios resulta de múltiplos fatores convergentes, incluindo alta susceptibilidade à excitotoxicidade glutamatérgica, dependência metabólica elevada, redução na disponibilidade do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), e instabilidade somática particularmente pronunciada da repetição CAG no tecido estriatal. A perda neuronal segue uma progressão característica, iniciando-se preferencialmente nos neurônios que compõem a via indireta dos gânglios da base, fenômeno que explica o fenótipo hipercinético predominante nos estágios iniciais da doença, manifestado principalmente pela coreia.

Com a evolução temporal da neuropatologia, a degeneração estende-se aos neurônios da via direta, resultando em uma transição gradual para um fenótipo hipocinético caracterizado por rigidez, bradicinesia e instabilidade postural. Esta progressão patológica correlaciona-se diretamente com a evolução do quadro clínico motor observado nos pacientes. A neuropatologia não se restringe exclusivamente ao estriado, expandindo-se progressivamente para envolver extensas regiões corticais, com atrofia predominante nas camadas corticais III, V e VI. O padrão de atrofia cortical apresenta distribuição específica que se correlaciona com o perfil sintomático individual, onde a degeneração do córtex motor associa-se a sintomas motores proeminentes, enquanto o comprometimento do giro do cíngulo relaciona-se a alterações do humor e comportamento.

Estruturas subcorticais adicionais, incluindo o globo pálido, núcleos talâmicos específicos, substância negra e cerebelo, também são afetadas progressivamente, contribuindo para a complexidade e heterogeneidade do quadro clínico. A degeneração da substância branca, documentada através de estudos de neuroimagem por tensor de difusão, revela comprometimento da integridade microestrutural das vias de conexão córtico-subcorticais desde fases precoces da doença. A intensidade e distribuição das alterações neuropatológicas correlacionam-se com a carga de repetições CAG, idade de início dos sintomas e duração da doença, fornecendo insights sobre os mecanismos subjacentes à progressão patológica.


Manifestações Clínicas e Critérios Diagnósticos


O espectro clínico da DH abrange uma ampla gama de manifestações que podem ser categorizadas em três domínios principais: motor, cognitivo e neuropsiquiátrico. As alterações motoras constituem o componente mais reconhecível da síndrome, caracterizando-se pela presença de movimentos involuntários anômalos, particularmente a coreia, que consiste em movimentos rápidos, irregulares e imprevisíveis que fluem continuamente de uma parte do corpo para outra. Além da coreia, os pacientes podem apresentar distonia, mioclonia, tiques e moveimtnos acatísicos que inicialmente podem ser incorporados voluntariamente aos movimentos normais, fenômeno conhecido como paracinesia. O comprometimento dos movimentos voluntários manifesta-se através de bradicinesia progressiva, rigidez muscular, alterações na marcha com instabilidade postural crescente, e disartria que evolui para disfagia significativa nos estágios avançados.

O declínio cognitivo na DH caracteriza-se por um padrão subcortical característico, afetando primariamente as funções executivas, incluindo capacidades de planejamento, organização, flexibilidade mental e controle inibitório. Déficits na velocidade de processamento de informações, atenção sustentada e memória de trabalho são observados precocemente, enquanto a memória episódica e as habilidades de linguagem permanecem relativamente preservadas até estágios mais avançados. Alterações na percepção e reconhecimento de emoções faciais representam uma característica neuropsicológica específica da DH, contribuindo para dificuldades nas interações sociais e relacionais.

As manifestações neuropsiquiátricas são heterogêneas e frequentemente precedem o início dos sintomas motores, incluindo depressão maior, ansiedade generalizada, irritabilidade, apatia, comportamentos obsessivo-compulsivos, impulsividade e desinibição comportamental. Episódios psicóticos, embora menos frequentes, podem ocorrer e tipicamente manifestam-se através de delírios paranoides ou alucinações. A progressão da doença ocorre ao longo de 15 a 25 anos após o início das manifestações motoras, levando a incapacidade funcional crescente e dependência completa nos estágios terminais.

O diagnóstico de DH manifesta baseia-se na presença de um distúrbio do movimento inequívoco, conforme avaliado pela Escala Unificada de Avaliação da Doença de Huntington (UHDRS), em indivíduos com histórico familiar compatível ou confirmação genética molecular. A fase pré-manifesta, caracterizada pela presença da mutação genética na ausência de sinais motores definidos, pode apresentar alterações sutis detectáveis através de avaliações neuropsicológicas e neuropsiquiátricas especializadas, bem como através de biomarcadores de neuroimagem, até 15 anos antes do diagnóstico motor formal.


Figura 1. Ilustração esquemática da Doença de Huntington. À esquerda, representação de paciente com coreia, caracterizada por movimentos involuntários rápidos e irregulares, que fluem de uma parte do corpo a outra. Ao centro, corte coronal do encéfalo evidenciando atrofia do núcleo caudado, típica da degeneração estriatal precoce. À direita, representação da mutação genética com repetições expandidas do trinucleotídeo CAG no gene da huntingtina, acompanhada por uma hélice de DNA simbolizando a origem molecular da doença.
Figura 1. Ilustração esquemática da Doença de Huntington. À esquerda, representação de paciente com coreia, caracterizada por movimentos involuntários rápidos e irregulares, que fluem de uma parte do corpo a outra. Ao centro, corte coronal do encéfalo evidenciando atrofia do núcleo caudado, típica da degeneração estriatal precoce. À direita, representação da mutação genética com repetições expandidas do trinucleotídeo CAG no gene da huntingtina, acompanhada por uma hélice de DNA simbolizando a origem molecular da doença.

Diagnóstico Molecular e Aconselhamento Genético


A confirmação diagnóstica definitiva da DH é estabelecida através de análise genética molecular que quantifica precisamente o número de repetições CAG no primeiro éxon do gene HTT. A interpretação dos resultados segue critérios bem definidos: indivíduos com 40 ou mais repetições CAG desenvolverão inevitavelmente a doença devido à penetrância completa da mutação, enquanto aqueles com 36 a 39 repetições apresentam penetrância reduzida, podendo ou não manifestar sintomas ao longo da vida. Repetições no intervalo de 27 a 35 são classificadas como intermediárias e, embora não causem doença no portador atual, apresentam risco de expansão durante a transmissão para a descendência, particularmente quando transmitidas por via paterna devido ao fenômeno de antecipação.

O teste genético pode ser aplicado em dois contextos distintos: diagnóstico, quando realizado em indivíduos sintomáticos para confirmação de suspeita clínica, ou preditivo, quando aplicado a indivíduos assintomáticos em risco de herdar a mutação. O teste preditivo é regulamentado por diretrizes internacionais rigorosas estabelecidas pela International Huntington Association e pela World Federation of Neurology, requerendo processo de aconselhamento genético pré e pós-teste, avaliação neurológica e psicológica especializada, e período de reflexão adequado para garantir decisão verdadeiramente informada e voluntária.

O aconselhamento genético desempenha papel fundamental na abordagem da DH, fornecendo informações precisas sobre hereditariedade, riscos de recorrência, opções reprodutivas e implicações psicossociais do teste. Aproximadamente 95% dos casos de DH resultam de herança familiar, enquanto 5% representam mutações de novo, frequentemente associadas a repetições CAG no limite superior da faixa normal em um dos pais. O planejamento reprodutivo pode incluir opções como diagnóstico pré-implantacional, amniocentese ou teste de vilosidade coriônica, além de técnicas de reprodução assistida que permitam evitar a transmissão da mutação.


Exames Complementares e Biomarcadores


Embora o diagnóstico de DH não exija obrigatoriamente exames de neuroimagem quando a apresentação clínica e o teste genético são conclusivos, estas modalidades fornecem informações valiosas para caracterização da progressão patológica e monitoramento terapêutico. A ressonância magnética (RM) estrutural revela atrofia simétrica e progressiva do estriado, particularmente evidente no núcleo caudado, que pode ser detectada 10 a 15 anos antes do início motor através de medidas volumétricas quantitativas. Com a progressão da doença, a atrofia estende-se ao putâmen, córtex cerebral e substância branca subcortical, seguindo padrões específicos que se correlacionam com a gravidade clínica e duração dos sintomas.

A RM por tensor de difusão (DTI) permite avaliação da microestrutura da substância branca, demonstrando perda precoce da integridade das vias córtico-estriatais através de reduções na anisotropia fracionada (FA) e aumentos na difusividade média (MD), alterações detectáveis mesmo na fase pré-manifesta. Técnicas avançadas de RM, incluindo espectroscopia por ressonância magnética (MRS) e RM funcional (fMRI), revelam alterações metabólicas e de conectividade funcional que precedem as mudanças estruturais macroscópicas.

A tomografia por emissão de pósitrons (PET) com fluordesoxiglicose (FDG-PET) demonstra hipometabolismo estriatal precoce que se correlaciona com a progressão clínica e pode ser detectado anos antes do início motor. O PET com ligantes específicos para receptores de dopamina revela reduções na densidade de receptores D1 e D2 no estriado, refletindo a perda neuronal progressiva. Biomarcadores em fluidos corporais, particularmente a concentração de huntingtina mutante e da cadeia leve do neurofilamento (NfL) no líquido cefalorraquidiano e plasma, representam ferramentas promissoras para monitoramento da progressão da doença e resposta terapêutica. Níveis elevados de NfL, um marcador de dano axonal, são detectados anos antes do início clínico e correlacionam-se com atrofia cerebral e progressão sintomática.


Abordagem Terapêutica Atual


O manejo contemporâneo da DH fundamenta-se em uma abordagem multidisciplinar integrada, focando no alívio sintomático e melhoria da qualidade de vida, dado que atualmente não existem terapias modificadoras da doença aprovadas para uso clínico. A equipe terapêutica idealmente inclui neurologistas especializados em distúrbios do movimento, psiquiatras, neuropsicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas e assistentes sociais, trabalhando de forma coordenada para abordar as múltiplas dimensões da síndrome. O tratamento farmacológico dos sintomas motores concentra-se principalmente no controle da coreia, o sintoma mais incapacitante e estigmatizante para muitos pacientes.

Os inibidores do transportador vesicular de monoaminas 2 (VMAT2), especificamente a tetrabenazina e sua formulação deuterada deutetrabenazina, constituem os únicos medicamentos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) especificamente para o tratamento da coreia na DH. Estes agentes demonstram eficácia significativa na redução da intensidade dos movimentos involuntários, embora possam exacerbar sintomas depressivos e causar sedação. A deutetrabenazina oferece vantagens farmacocinéticas, incluindo meia-vida prolongada e menor variabilidade inter-individual, permitindo regimes posológicos mais convenientes e potencialmente melhor tolerabilidade.

Antipsicóticos atípicos, incluindo olanzapina, risperidona e aripiprazol, são frequentemente utilizados off-label para controle da coreia e manejo concomitante de sintomas psiquiátricos, embora requeiram monitoramento cuidadoso devido ao risco de efeitos extrapiramidais e síndrome metabólica. Para sintomas hipocinéticos que emergem em estágios mais avançados, a levodopa pode proporcionar benefício sintomático limitado, embora sua eficácia seja geralmente inferior àquela observada na doença de Parkinson.


Manejo Neuropsiquiátrico e Intervenções Não Farmacológicas


O tratamento das manifestações neuropsiquiátricas representa um componente crucial do manejo da DH, requerendo abordagem individualizada baseada no perfil sintomático específico de cada paciente. A depressão, presente em aproximadamente 40% dos casos, é tipicamente tratada com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), particularmente citalopram, sertralina e escitalopram, que demonstram eficácia e perfil de tolerabilidade favorável nesta população. A ansiedade pode responder a ISRSs ou benzodiazepínicos de ação curta para crises agudas, embora o uso prolongado destes últimos deva ser evitado devido ao risco de dependência e comprometimento cognitivo adicional.

Irritabilidade, agressividade e sintomas psicóticos podem necessitar tratamento com antipsicóticos atípicos ou estabilizadores de humor, incluindo valproato, carbamazepina ou lítio, com seleção baseada no perfil individual de sintomas e tolerabilidade. A apatia representa um dos sintomas mais desafiadores e refratários ao tratamento, com evidências limitadas para intervenções farmacológicas específicas, embora alguns estudos sugiram benefício potencial com estimulantes ou modafinil. Para o declínio cognitivo, não existem tratamentos farmacológicos aprovados, sendo o foco direcionado para estratégias de reabilitação cognitiva, adaptações ambientais e manutenção de atividades mentalmente estimulantes.

Intervenções não farmacológicas desempenham papel fundamental no manejo abrangente da DH. A fisioterapia é essencial para abordar distúrbios da marcha, instabilidade postural e redução da mobilidade, utilizando exercícios específicos para manutenção da força muscular, flexibilidade e coordenação, além de estratégias para prevenção de quedas. A terapia ocupacional auxilia na adaptação do ambiente doméstico e laboral, fornecendo dispositivos assistivos e estratégias compensatórias para manutenção da independência funcional. A fonoaudiologia é crucial para o manejo da disartria progressiva e disfagia, implementando exercícios para melhoria da articulação, técnicas de comunicação alternativa e estratégias para alimentação segura, incluindo modificações na consistência dos alimentos e eventual indicação de gastrostomia em casos de disfagia grave.


Terapias Emergentes e Pesquisa Translacional


O desenvolvimento de terapias modificadoras da doença para DH tem focado primariamente em estratégias de redução da expressão da huntingtina mutante, representando uma abordagem lógica considerando a natureza monogênica da condição. As tecnologias de silenciamento gênico, incluindo oligonucleotídeos antisense (ASOs) e RNA de interferência (RNAi), demonstraram eficácia robusta em modelos pré-clínicos, levando a múltiplos ensaios clínicos em humanos. O ASO tominersen (RG6042/IONIS-HTTRx), desenvolvido pela Ionis Pharmaceuticals em colaboração com a Roche, representou o primeiro agente de redução de huntingtina a alcançar ensaios clínicos de fase III, demonstrando capacidade de reduzir tanto a huntingtina mutante quanto a normal de forma dose-dependente no líquido cefalorraquidiano.

Embora o ensaio GENERATION HD1 tenha sido interrompido precocemente devido a um perfil de benefício-risco desfavorável, os dados obtidos forneceram insights valiosos sobre a estratégia de redução de huntingtina e informaram o desenvolvimento de ASOs de próxima geração com maior especificidade alélica. Atualmente, múltiplos ASOs que visam especificamente o alelo mutante estão em desenvolvimento, incluindo abordagens que exploram polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) associados ao alelo expandido para conseguir silenciamento seletivo.

Tecnologias de edição genômica, incluindo nucleases de dedo de zinco (ZFNs), nucleases efetoras do tipo ativador de transcrição (TALENs) e o sistema CRISPR-Cas9, estão sendo investigadas para correção permanente da mutação ao nível do DNA. Embora estas abordagens enfrentem desafios significativos relacionados à entrega eficiente no sistema nervoso central e potenciais efeitos off-target, representam a perspectiva mais promissora para uma cura definitiva da DH. Estratégias alternativas incluem a modulação do splicing do RNA da huntingtina para reduzir a produção da proteína mutante e terapias gênicas utilizando vetores virais para entrega de microRNAs ou outras moléculas terapêuticas.


Biomarcadores e Monitoramento da Progressão


O desenvolvimento de biomarcadores robustos e clinicamente relevantes representa uma prioridade crítica para o avanço terapêutico na DH, permitindo monitoramento objetivo da progressão da doença e avaliação da eficácia terapêutica em ensaios clínicos, especialmente na população pré-manifesta onde mudanças clínicas são sutis. A quantificação da huntingtina mutante em fluidos biológicos, particularmente no líquido cefalorraquidiano, emerge como o biomarcador mais diretamente relacionado à patologia subjacente, correlacionando-se com a carga de repetições CAG, idade de início estimada e progressão clínica.

A cadeia leve do neurofilamento (NfL), um marcador específico de dano axonal, demonstra elevação significativa tanto no líquido cefalorraquidiano quanto no plasma de indivíduos com DH, detectável anos antes do início motor e correlacionando-se com medidas de atrofia cerebral por neuroimagem. A capacidade de mensurar NfL no plasma através de técnicas de imunoensaio ultrassensível (Simoa) oferece vantagens práticas substanciais para implementação em ensaios clínicos e eventual uso clínico. Outros biomarcadores fluidos em investigação incluem proteínas relacionadas à neuroinflamação, estresse oxidativo e disfunção sináptica.

Biomarcadores de neuroimagem continuam a evoluir com o desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas e sensíveis. Medidas volumétricas quantitativas derivadas de RM estrutural, particularmente do estriado, demonstram capacidade de detectar mudanças longitudinais menores do que aquelas detectáveis através de avaliação clínica, sendo incorporadas como desfechos primários ou secundários em ensaios clínicos. Técnicas emergentes, incluindo RM de susceptibilidade magnética quantitativa (QSM) e tomografia de coerência óptica (OCT) da retina, oferecem perspectivas adicionais para monitoramento não invasivo da progressão patológica.


Perspectivas Futuras e Desafios Terapêuticos

O cenário terapêutico para DH encontra-se em um momento de transição significativa, com múltiplas modalidades terapêuticas em diferentes estágios de desenvolvimento clínico oferecendo esperança renovada para pacientes e famílias afetadas. A experiência acumulada com os primeiros ensaios de redução de huntingtina forneceu lições valiosas sobre dosagem, cronograma de administração, seleção de população-alvo e desenho de ensaios, informando estratégias aprimoradas para gerações subsequentes de terapias. A combinação de diferentes abordagens terapêuticas, incluindo redução de huntingtina mutante e modulação de vias patogênicas downstream, pode ser necessária para alcançar benefício clínico ótimo.

A identificação de modificadores genéticos da DH, muitos dos quais envolvidos nas vias de reparo de DNA, abriu novas avenidas terapêuticas focadas na modulação da instabilidade somática da repetição CAG. Pequenas moléculas que modulam as vias de reparo de DNA, particularmente a via de reparo por excisão de bases e reparo de incompatibilidade de DNA, estão sendo investigadas como potenciais terapias modificadoras da doença. A neuroinflamação e a disfunção do transporte nucleocitoplasmático representam alvos terapêuticos adicionais sendo ativamente explorados.

A perspectiva de intervenção na fase pré-manifesta, antes que ocorra perda neuronal substancial, representa o objetivo último da pesquisa terapêutica em DH. O desenvolvimento de biomarcadores sensíveis e a compreensão crescente da história natural pré-clínica da doença tornam essa possibilidade cada vez mais tangível. Plataformas de pesquisa globais, como o consórcio Enroll-HD, que reúne dados clínicos e biológicos longitudinais de milhares de participantes em múltiplos países, são fundamentais para facilitar o desenvolvimento terapêutico eficiente e informar estratégias de medicina de precisão baseadas em características genéticas e fenotípicas individuais.

A complexidade inerente da DH, que afeta múltiplos sistemas celulares e se manifesta com considerável heterogeneidade fenotípica, reforça a necessidade de abordagens terapêuticas personalizadas. O entendimento crescente de como modificadores genéticos influenciam a idade de início, taxa de progressão e perfil sintomático abre possibilidades para estratificação de pacientes em ensaios clínicos e desenvolvimento de terapias direcionadas a vias patogênicas específicas. O esforço coordenado entre pesquisadores acadêmicos, indústria farmacêutica, agências regulatórias e, fundamentalmente, a comunidade de pacientes e famílias afetadas, permanece essencial para transformar os avanços científicos em tratamentos eficazes que possam alterar significativamente o curso desta condição devastadora.


Referências

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