Tremor essencial
- Grupo de Estudos em Transtornos do Movimento

- 30 de jul.
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O tremor essencial representa uma das desordens de movimento mais prevalentes na população mundial, caracterizando-se como uma síndrome complexa que afeta significativamente a qualidade de vida dos pacientes. Esta condição neurológica tem sido objeto de crescente interesse científico devido à sua alta prevalência, heterogeneidade clínica e impacto funcional considerável. Tradicionalmente definido como um tremor de ação bilateral das extremidades superiores, o conceito de tremor essencial tem evoluído consideravelmente nas últimas décadas, incorporando novas perspectivas fisiopatológicas e critérios diagnósticos mais refinados.

A nomenclatura "essencial" reflete historicamente a natureza idiopática da condição, sugerindo ausência de causa identificável, de forma análoga ao termo empregado na hipertensão essencial. No entanto, esta denominação tem sido questionada à medida que novos conhecimentos sobre os mecanismos subjacentes emergem da literatura científica. A International Parkinson and Movement Disorder Society redefiniu recentemente o tremor essencial como uma síndrome de tremor isolado, reconhecendo sua natureza heterogênea e a possibilidade de múltiplas etiologias subjacentes.
Epidemiologia
O tremor essencial apresenta uma distribuição epidemiológica notável, sendo considerado o distúrbio de movimento mais comum em adultos. Estudos populacionais demonstram uma prevalência global que varia entre 0,4% e 4,0% na população geral, com estimativas médias situando-se em torno de 0,9%. Esta variabilidade reflete diferenças metodológicas entre os estudos, critérios diagnósticos empregados e características demográficas das populações estudadas. A prevalência aumenta significativamente com o avançar da idade, atingindo valores superiores a 4% em indivíduos com idade superior a 65 anos.
A distribuição por gênero tem sido objeto de controvérsia na literatura, com estudos demonstrando resultados conflitantes. Uma metanálise abrangente envolvendo 42 estudos populacionais não identificou diferenças significativas entre homens e mulheres, com aproximadamente 70% dos estudos não demonstrando predileção por gênero. A idade de início apresenta distribuição bimodal característica, com picos de incidência na segunda e sexta décadas de vida, sugerindo possíveis subtipos etiológicos distintos.
A agregação familiar é observada em aproximadamente 50% dos casos, com padrão de herança predominantemente autossômico dominante e penetrância variável. Estudos epidemiológicos indicam que parentes de primeiro grau de pacientes com tremor essencial apresentam risco aumentado de desenvolver a condição, com odds ratios (razões de chance) variando entre 2,5 e 5,0. A variabilidade na expressão fenotípica dentro das famílias afetadas sugere influência de fatores genéticos modificadores e ambientais na manifestação clínica da doença.
Fisiopatologia e Neuropatologia
A fisiopatologia do tremor essencial permanece incompletamente elucidada, com múltiplas hipóteses propostas para explicar a geração e manutenção das oscilações rítmicas características. A hipótese mais aceita atualmente envolve disfunção do circuito cerebelo-tálamo-cortical, com evidências convergentes de estudos neurofisiológicos, neuroimagem funcional e patológicos. O cerebelo emerge como estrutura central na fisiopatologia, funcionando como hub principal na rede neural envolvida na geração do tremor.
A hipótese da rede oscilatória central postula que neurônios específicos possuem propriedades eletrofisiológicas intrínsecas que permitem oscilação em frequências características durante estados de hiperpolarização de membrana. Inicialmente, o núcleo olivar inferior foi considerado o principal marcapasso, mas evidências subsequentes apontam para uma rede distribuída incluindo cerebelo, tálamo, córtex motor e núcleo olivar. Estudos de coerência entre sinais eletroencefalográficos e eletromiográficos suportam esta hipótese de rede distribuída.
A hipótese GABAérgica representa outro mecanismo fisiopatológico fundamental, propondo que disfunção na neurotransmissão GABAérgica medeia a atividade anormal no circuito cerebelo-tálamo-cortical. Evidências experimentais demonstram que camundongos knockout para subunidades α1 dos receptores GABA-A desenvolvem tremor postural e cinético semelhante ao tremor essencial humano. Estudos farmacológicos indicam que moduladores alostéricos positivos dos receptores GABA-A contendo subunidades α6 melhoram o tremor em modelos murinos.
A neurotransmissão glutamatérgica também desempenha papel relevante na fisiopatologia, com disfunção dos receptores glutamatérgicos δ2 documentada em modelos animais. Agonistas de adenosina que melhoram o tremor experimental exercem seus efeitos através da redução da transmissão glutamatérgica no tálamo ventral. Estes achados sugerem que o equilíbrio entre neurotransmissão excitatória e inibitória é crítico para a manutenção da função cerebelar normal.
Estudos neuropatológicos têm fornecido evidências controversas sobre alterações estruturais no tremor essencial. Algumas investigações identificaram perda de células de Purkinje cerebelares, aumento de "torpedos" axonais e redução da arborização dendrítica. Entretanto, outros estudos falharam em replicar estes achados, gerando debate sobre a natureza neurodegenerativa versus disfuncional da condição. A heterogeneidade dos achados patológicos pode refletir diferentes subtipos da doença ou variações metodológicas entre os estudos.
Quadro Clínico e Critérios Diagnósticos
A apresentação clínica do tremor essencial é caracterizada por tremor de ação bilateral das extremidades superiores, manifestando-se durante contração muscular voluntária contra a gravidade (tremor postural) e durante movimento direcionado (tremor cinético). A frequência típica situa-se entre 4 e 12 Hz, com predominância na faixa de 6 a 8 Hz em adultos. A amplitude do tremor pode variar consideravelmente, desde movimentos sutis até oscilações grosseiras que comprometem significativamente a função motora.
A distribuição anatômica mais comum envolve as mãos e braços, observada em aproximadamente 95% dos pacientes. O tremor de cabeça ocorre em 41% dos casos, podendo manifestar-se como movimento de flexão-extensão ("sim-sim") ou rotação lateral ("não-não"). O tremor vocal acomete 29% dos pacientes, caracterizando-se por instabilidade da voz durante fonação sustentada. Outras localizações incluem membros inferiores (17%), face (15%), tronco (8%) e língua (5%).
Características clínicas adicionais podem estar presentes, incluindo resposta variável ao álcool etílico, observada em aproximadamente 50% dos pacientes. O tremor tipicamente melhora após ingestão de pequenas quantidades de álcool, fenômeno que pode ter valor diagnóstico, embora não seja específico. O tremor frequentemente exacerba com estresse emocional, fadiga, cafeína e certas medicações, enquanto pode melhorar com repouso e relaxamento.
Os critérios diagnósticos atuais da International Parkinson and Movement Disorder Society estabelecem duas categorias principais: tremor essencial e tremor essencial plus. O tremor essencial é definido como síndrome de tremor isolado bilateral de membros superiores com duração mínima de três anos, com ou sem tremor em outras localizações, e ausência de outros sinais neurológicos como distonia, ataxia ou parkinsonismo. O tremor essencial plus inclui sinais neurológicos adicionais de significado incerto, como marcha em tandem comprometida, postura distônica questionável ou alterações de memória leves.
Os critérios de exclusão incluem tremores focais isolados, tremor ortostático com frequência superior a 12 Hz, tremores tarefa-específicos e início súbito com deterioração em degraus. A duração mínima de três anos visa distinguir tremores transitórios ou secundários a outras causas. A classificação atual representa evolução significativa em relação a critérios anteriores, buscando maior homogeneidade fenotípica e reconhecimento da heterogeneidade clínica da condição.
Exames Complementares
O diagnóstico do tremor essencial baseia-se fundamentalmente na avaliação clínica, não existindo biomarcadores específicos laboratoriais, neurofisiológicos ou de neuroimagem. A investigação complementar visa principalmente a exclusão de causas secundárias de tremor e diferenciação de outras síndromes tremorigênicas. A história médica abrangente e exame neurológico detalhado constituem os pilares do processo diagnóstico.
Os exames laboratoriais de rotina incluem dosagem de hormônio tireoestimulante (TSH), eletrólitos séricos e avaliação de funções hepática e renal para exclusão de distúrbios metabólicos que podem causar tremor fisiológico exacerbado. Em pacientes jovens com início antes dos 50 anos, a investigação da doença de Wilson através de ceruloplasmina sérica, cobre urinário de 24 horas e avaliação oftalmológica para anel de Kayser-Fleischer é recomendada.
A cintilografia com transportador de dopamina representa ferramenta valiosa para diferenciação entre tremor essencial e doença de Parkinson, particularmente em casos com apresentação atípica. O exame é normal no tremor essencial, mas demonstra redução da captação estriatal na doença de Parkinson. Esta distinção é crucial, especialmente em casos de doença de Parkinson de início precoce com tremor de ação predominante e manifestações parkinsonianas sutis.
Testes eletrofisiológicos, incluindo eletromiografia de superfície e acelerometria, podem auxiliar na caracterização das propriedades do tremor, avaliando características de ativação muscular, ritmicidade e frequência. Estes exames são úteis para distinção entre tremor essencial, tremor cortical rítmico, tremor funcional e tremor fisiológico exacerbado. Entretanto, sua disponibilidade é limitada a centros especializados e não fazem parte da avaliação de rotina.
Escalas de avaliação clínica, como a Essential Tremor Rating Assessment Scale (TETRAS), são instrumentos padronizados para quantificação da gravidade do tremor e seu impacto nas atividades de vida diária. Estas escalas são fundamentais para acompanhamento longitudinal, avaliação de resposta terapêutica e em protocolos de pesquisa. A aplicação de escalas de qualidade de vida específicas para tremor essencial também fornece informações valiosas sobre o impacto funcional da condição.
Técnicas de neuroimagem avançada, incluindo ressonância magnética estrutural e funcional, têm contribuído para o entendimento da fisiopatologia, mas não possuem aplicação diagnóstica rotineira. Estudos de espectroscopia por ressonância magnética demonstraram reduções dos níveis de N-acetilaspartato cerebelar, sugerindo disfunção ou perda neuronal. Investigações de neuroimagem funcional revelaram alterações na conectividade da rede cerebelo-tálamo-cortical, corroborando as hipóteses fisiopatológicas atuais.
Tratamento
O manejo terapêutico do tremor essencial baseia-se em abordagem multimodal, incluindo tratamento farmacológico, intervenções cirúrgicas e modalidades não-farmacológicas. A decisão terapêutica deve considerar a gravidade dos sintomas, impacto funcional, preferências do paciente e perfil de efeitos adversos das intervenções disponíveis. O objetivo principal é a redução da amplitude do tremor e melhora da capacidade funcional, embora a cura completa seja raramente alcançada.
O tratamento farmacológico de primeira linha inclui propranolol e primidona, medicações com eficácia bem estabelecida em estudos controlados. O propranolol, um antagonista beta-adrenérgico não-seletivo, demonstra eficácia em doses de 120 a 240 mg diários, com redução da amplitude do tremor em 50 a 70% dos pacientes. O mecanismo de ação envolve bloqueio de receptores beta-adrenérgicos centrais e periféricos, com efeitos predominantes no tremor postural. Contraindicações incluem asma, doença pulmonar obstrutiva crônica e bloqueio cardíaco.
A primidona, um anticonvulsivante metabolizado a fenobarbital e feniletilmalonamida, constitui alternativa eficaz com mecanismo de ação distinto. A dose terapêutica varia entre 250 e 750 mg diários, iniciando-se com 62,5 mg ao dia devido ao risco de efeitos adversos iniciais significativos. Aproximadamente 25% dos pacientes descontinuam a medicação devido a efeitos colaterais como sedação, náusea e instabilidade. A eficácia da primidona é comparável ao propranolol, com redução do tremor em 60 a 70% dos casos.
Medicações de segunda linha incluem gabapentina, topiramato e alprazolam, reservadas para pacientes que não respondem ou não toleram as opções de primeira linha. A gabapentina demonstra eficácia moderada em doses de 1200 a 3600 mg diários, com perfil de tolerabilidade favorável. O topiramato pode ser eficaz em doses de 200 a 400 mg diários, particularmente no tremor de cabeça, mas frequentemente limitado por efeitos cognitivos adversos. O alprazolam, um benzodiazepínico, pode ser útil em situações específicas, mas seu uso é limitado pelo potencial de dependência.
Terapias emergentes incluem moduladores dos canais de cálcio tipo T, como ulixacaltamida e suvecaltamida, que demonstraram resultados promissores em estudos preliminares. Moduladores dos receptores GABA-A, como SAGE-324, representam abordagem inovadora baseada na fisiopatologia GABAérgica da condição. Estudos fase 2 demonstraram redução significativa do tremor, embora limitados por efeitos adversos como sonolência e tontura.
Intervenções cirúrgicas são reservadas para casos refratários ao tratamento clínico com incapacidade funcional significativa. A estimulação cerebral profunda (DBS, deep brain stimulation) do núcleo ventral intermediário do tálamo representa o padrão-ouro cirúrgico, com eficácia superior a 80% na redução do tremor contralateral. O procedimento é reversível e permite ajustes de parâmetros, mas requer seguimento especializado e apresenta riscos cirúrgicos inerentes.
A talamotomia por ultrassom focalizado guiado por ressonância magnética (HIFU, high intensity focused ultrasound) emerge como alternativa não-invasiva promissora, aprovada recentemente para tratamento do tremor essencial. O procedimento produz lesão térmica focal no tálamo ventral intermediário, com eficácia comparável à estimulação cerebral profunda, mas de caráter irreversível. Estudos controlados demonstram redução sustentada do tremor com perfil de segurança aceitável.
Modalidades não-farmacológicas incluem estimulação nervosa periférica transcutânea, representada por dispositivos aprovados como Cala TAPS. Estes sistemas aplicam estimulação elétrica de baixa intensidade nos nervos periféricos, modulando a atividade do sistema nervoso central através de mecanismos neuroplásticos. Estudos clínicos demonstram redução temporária do tremor durante e após a estimulação, oferecendo alternativa não-invasiva para manejo sintomático. O desenvolvimento contínuo de dispositivos vestíveis e tecnologias de neuromodulação representa fronteira promissora no tratamento do tremor essencial.
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